Alerta: mudança climática, agrocombustíveis e especulação
financeira ameaçam elevar preços mundiais dos alimentos e ampliar
fantasma da fome
Por Amy Horton | Tradução: Antonio Martins
No início de julho, previa-se para 2012 um recorde mundial na
produção de alimentos. Poucas semanas depois, os preços do milho e da
soja quebraram os recordes alcançados na crise alimentar de 2007-08,
quando revoltas disparadas pela fome espalharam-se por trinta países. Os
preços do trico também subiram, mais de 50% só nas últimas seis
semanas.
Tudo isso coloca o mundo à beira de uma nova crise alimentar. Quando a
ONU lançar seu relatório global sobre a fome, em setembro, é provável
que o número de pessoas famintas no planeta – atualmente estimado em 925
milhões – tenha se ampliado.
A culpa principal foi atribuída à seca devastadora nos Estados
Unidos, que devastou mais lavouras que qualquer outro fenômeno climático
desde 1956. À medida em que a mudança climática evolui, tais extremos
estão se tornando norma.
Os biocombustíveis – que no ano passado engoliram quase 40% da
colheita norte-americana de milho – também foram apontados como parte do
problema. Nos EUA, estão crescendo as pressões para reduzir a adição de
biocombustíveis na gasolina. Produtores de carne e leite estão
advertindo que não serão capazes de pagar a ração dos animais.
Mas as análises estão esquecendo os especuladores financeiros, que
ampliaram sua atuação nos mercados. Quer saber como eles veem uma crise
alimentar em gestação? Na semana passada, Peter Sorrentino, um
administrador norte-americano de hedge funds respondeu: “É como se uma grande torneira de dinheiro tivesse sido aberta”.
Em junho, os mercados de derivativos agrícolas foram inundados com 89
bilhões de dólares in dinheiro especulativo. O número é cortesia do
Barclays Bank, o principal agente em mercados de alimentos do Reino
Unido, que apontou, este ano, a especulação como “um motor-chave” para a
alta dos preços.
Uma texto de analistas do Instituto de Sistemas Complexos da Nova Inglaterra convida à ação. Pesquisa
realizada por eles isolou os biocombustíveis e a especulação como as
causas centrais da elevação dos preços de alimentos nos últimos anos. Há
meses, têm alertado para a necessidade de enfrentar a ameaça.
Programas predatórios de conversão de alimentos em etanol
(biocombustíveis) e especulação crescente nos mercados mundiais
de commodities criaram uma bolha de preços de alimento, pressionando por
um pico inevitável dos preços em 2013. Agora, parece que este “choque de
colheitas” virá mais cedo devido à seca, a não ser que medidas para
reduzir a produção de etanol e controlar os especuladores sejam adotadas
imediatamente.
Os modelos dos pesquisadores do instituto, já validados por previsões
e acertos anteriores, sugerem que os nos picos de preço, embora
inicialmente causados por choques de produção e demanda, serão
exacerbados pela especulação financeira, provocando um salto ainda mais
grave dos preços. Os pesquisadores também sustentam que os esforços para
reformar os mercados têm sido muito lentos. As tentativas de regulação
têm sido contestadas por manobras jurídicas nos Estados Unidos e estão
atrasadas na Europa. Por isso, medidas que poderiam refrear a
especulação não foram implementadas.
A crise no horizonte destaca a vulnerabilidade de um sistema agrícola
que depende cada vez mais de negociações voláteis de um punhado de
cereais-chave. Enquanto os países em desenvolvimento enfrentam
encruzilhadas dramáticas sobre o futuro de seus sistemas da
abastecimento, os movimentos por segurança alimentar reivindicam um
projeto mais voltado para a diversidade de cultivos, resilente às
mudanças climáticas e controlado localmente. Passos rumo a estes
objetivos poderiam incluir a construção de comércio regional e o plantio
de sementes nativas, que frequentemente resistem mais a estiagens que
cereais como o milho.
Mas a força política para executar muitas das medidas necessárias –
inclusive a reforma do sistema global de comércio – está nas mãos dos
países mais ricos. Sem uma mudança radical de nosso sistema agrícola,
que inclua mecanismos de regulação para evitar que especuladores fixem
os preços dos alimentos, as populações mais pobres do mundo continuarão a
pagar o preço mais alto.
–Amy Horton é ativista e produtora de conteúdo no World Development Movement, baseado em Londres
http://www.outraspalavras.net
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