1. INTRODUÇÃO
Desde o mito bíblico da Gênese,
resta claro que a ânsia do homem no mundo prende-se à vontade de ser Deus e
tudo dominar. Nietzsche expede o atestado de óbito de Deus e transpõe a sua
imanência para o seu Super-homem (übermensch). Neste, o homem se faz Deus para criar e
dominar. As pieguices religiosas, com as suas crendices, são obras de
gente fraca e desprovida da vontade de poder. É o rebanho dominado pelo
Super-homem nietzscheriano.
A busca da dominação se faz às
escondidas e não raro vem camuflada em “nobres ideais” que irão libertar o
homem e conduzi-lo à mais ampla felicidade, sob o amparo do forte e
libertador. A ideologia que legitima tudo isso é o individualismo, ou a
sua denominação mais suave, o liberalismo. Trata-se de um sofisma que traz
embutido o rótulo de liberdade, tornando-o mais palatável.
A doutrina do liberalismo é uma
das mais antigas e já ocupou espaço nas maiores mentes do gênero humano. A
Revolução Francesa se fez sob a égide da liberdade. Discursava a elite burguesa
propugnando a liberdade dos servos da gleba contra as elites aristocrática e
eclesiástica. No entanto, o que procurava era tomar o lugar dessa nobreza e se
apossar dos seus privilégios. O manto que ocultava seus propósitos era a
doutrina liberal. Diz o mestre Paulo Freire no seu clássico A Pedagogia do Oprimido: o oprimido
introjeta a figura do opressor e o que deseja é derrubá-lo para tomar o seu
lugar e também oprimir. Era este o objetivo colimado pela
burguesia, que conduziu o movimento revolucionário.
2. A
REVOLUÇÃO FRANCESA
A burguesia, enriquecida no
exercício da mercancia e da usura, se via alijada das benesses do poder,
fustigada pela ira divina encarnada no clero, que condenava seu enriquecimento
construído ao arrepio do evangelho. Os servos, libertos da vassalagem da gleba e
sem saber como seria o seu amanhã, festejavam a prisão do seu senhor, agora à
mercê dos revolucionários.
Destarte, a Revolução Francesa,
vista sob este viés, explica a razão porque o Estado não faliu e caiu em
desgraça sem o comando da nobreza. Paretto e Mosca expõem seus temores de que o
Estado, nas mãos dessa gente inculta e desprovida de capacidade administrativa,
incapaz de comandar, caísse em desgraça, sucumbindo nessa nova ordem. A Teoria
das Elites, criada por eles, é um libelo contra a Revolução Francesa que
expungia do comando a nobreza e o clero, levando o Estado a uma situação de
perigo, em mãos inábeis para a condução dos negócios públicos.
Todavia, tal fato não se deu e a
explicação para isso está na verdade que vinha oculta no comando revolucionário.
Aclamada como uma revolução desse povo, oprimido pela servidão imposta pelo
regime feudal, era conduzida pela burguesia enriquecida e que, agora
vencedora, seria o novo senhor dessa massa que festejava essa hipotética
liberdade. Logo mais eles veriam o contrato de vassalagem ser sucedido pelo
contrato de trabalho, tão cáustico quanto o anterior.
A burguesia condutora da
revolução era composta por uma elite econômica, embora não fosse nobre. Mas,
era tão ou mais culta do que a nobreza aristocrática. Portanto, a condução do
país não ficou a cargo do servo da gleba, ficou nas mãos de advogados, médicos,
engenheiros e financistas.
Rousseau afirma que "o homem
só aliena sua liberdade pela força ou pelo contrato (O contrato social). Em
sustentação ao que é dito pelo filósofo, Joaquim Pimenta escreve: "O nível
de capacidade legal de agir, de contratar, em que se defrontavam operário e
patrão, ambos iguais porque ambos soberanos no seu direito, cedia e se tornava
em mera ficção com a evidente inferioridade econômica do primeiro em face do
segundo. Se a categoria de cidadão colocava os dois no plano de igualdade, não
impedia essa igualdade, como alguém observou, que o cidadão - proletário,
politicamente soberano no Estado, acabasse, economicamente, escravo na fábrica." in “Sociologia Econômica e
Jurídica do Trabalho”. Aqui nos deparamos com a essência do liberalismo.
Também detectamos porque a classe
endinheirada, notadamente, os argentários do mundo das finanças, tem um apego
religioso ao dogma liberal. Eles pugnam pela liberdade de contratar que lhes
confere o direito de subjugar e espoliar o mais fraco. Contando, ainda, com o
braço forte do Estado para garantir esse direito a
manu militari, se
preciso for.
Vencidos os percalços do período
pós-revolucionário, Napoleão Bonaparte assume o comando do governo francês e,
após a sua nomeação como Cônsul, assume cinco anos depois como Imperador da
França. Em 1804, ele festeja a promulgação do seu Código Civil (Code Napoleón),
onde restava consagrada a doutrina liberal. O liberalismo no plano jurídico tem
por base o princípio do pacta sunt servanda (os contratos são para ser
cumpridos). Desta forma, uma vez que as partes, legítimas e capazes, pactuaram
a avença, esta tem que ser cumprida tal como foi pactuado. Não importa o teor
dessas cláusulas, uma vez assinado, o contrato faz lei entre as partes e
nenhuma justificativa tem força suficiente para obstar o seu integral
cumprimento.
O governo de Napoleão passou, a
França adotou o Presidencialismo parlamentar e adentrou na Primeira Guerra
Mundial (1914-1918). Com o fim da Primeira Guerra mundial e uma Europa
devastada, incluindo a França, o governo francês percebeu que as regras
impostas pelo liberalismo insculpidas no Código de Napoleão, inviabilizava a
recuperação da economia e reduziria todos os produtores agrícolas à miséria, e
o que via pela frente era a fome. Sendo assim, o governo francês foi buscar nas
lições de Santo Tomás de Aquino a regra rebus sic stantibus e, fundado nela, editou a
Lei Faillot (MÁRIO, Caio da Silva Pereira) possibilitando a revisão destes
contratos e até mesmo a sua total nulidade. Estas regras vieram até o Brasil,
onde foram adotadas pela doutrina jurídica, ficando conhecida como a Teoria da
Imprevisão.
Numa outra vertente, menos
feliz, os EEUU enfrentam em 1929 uma terrível crise econômica
produzida por uma euforia exacerbada que culminou com uma maciça desvalorização
das ações nas bolsas de valores, provocando uma falência generalizada em
pessoas físicas e jurídicas. Este episódio ficou conhecido como o crack da bolsa de Nova
York. É ilustrativo o romance de John Steinbeck, “As vinhas da ira”, que
relata a tragédia dos proprietários de terra que as perdem para os bancos
como pagamento de dívidas. Diferente do governo francês, os EEUU não abrem mão
do dogma liberal e preferem assistir à desgraça dos endividados que não
contribuíram para a crise, do que criar um precedente contrário à doutrina
capitalista liberal.
3. DESTINO
MANIFESTO
A Doutrina do Destino Manifesto,
surgida no nascedouro da nação americana com fincas nas lições de Thomas Payne,
apregoa a ideia de que aos EUA estava destinado ser o farol do mundo e a
conduzir o planeta. Enfim, era a versão bíblica do “povo escolhido” que
caracterizava os judeus no antigo testamento, transposta para o continente
americano, visto agora como uma nova Canaã. Por mais bisonha que pareça, esta
doutrina sempre foi levada a sério por eles e está assente como um dogma no
Departamento de Estado desde a sua criação. Dessa forma tem início a construção
do império e o primeiro ponto destacado é no comércio internacional, onde ficou
assente que eles não celebrariam nenhum contrato em outra moeda que não fosse a
dele. É fácil deduzir que isto foi fundamental para transformar o dólar em
moeda internacional, carregando ipso facto a língua inglesa já
bastante difundida pelo império britânico.
Respaldado por essa doutrina,
eles dão início ao expansionismo americano começando pelas terras virgens do
oeste, promovendo a extinção dos indígenas para ocupar suas terras; em outra
frente, compra as possessões francesa e holandesa insertas em seu território,
culminando com a compra do Alasca na vizinhança do polo Ártico, feita à Rússia
em 1867. Dentro dessa mesma linha expansionista, eles anexaram parte
substancial do México, aumentando a sua fronteira ao sul.
Acreditando firmemente nos
cânones do Destino Manifesto, eles alavancaram o mito de herói e xerife do
mundo, transformando assassinos de índios como Búfalo Bill e Custer em heróis,
quando a história registra coisas bem diferentes onde tais heróis são vistos
como gente de má fama e moral duvidosa. Búfalo Bill era alcoólatra e segundo
consta o verdadeiro matador de índios era um capitão da cavalaria; sobre Custer
paira a acusação de ter levado o seu regimento a uma armadilha durante a guerra
civil, de onde ele foi o único que escapou. Os índios armados de arco e flecha
que tinham a guerra como um ritual, eram o inimigo ideal para levá-lo à glória
e alcandorá-lo à condição de herói. As revistas em quadrinhos e o cinema foram o
motor da difusão do mito pelo mundo. Despiciendo dizer que estas revistas e o
cinema sempre foram a grande arma da propaganda americana.
4. EXPANSIONISMO
AMERICANO
Os EUA sempre extraíram grandes
lucros dos conflitos armados. Na Primeira Guerra Mundial (1914/1918), a Europa
se endividava com eles, enquanto se mantinham distantes alegando neutralidade.
Após a guerra ter levado os países envolvidos à exaustão, eles ingressam no
conflito em 1917, de onde saem vitoriosos.
Após a Primeira Guerra Mundial,
as indústrias americanas contabilizaram os altos lucros gerados pelo
endividamento europeu e uma exportação maciça de bens para uma Europa em ruínas
com um mercado inteiramente dependente do mercado externo. Isso gerou uma
superprodução americana com as ações em franca ascensão nas Bolsas. No entanto,
a Europa inicia a sua recuperação e vai retomando o comando do seu mercado,
provocando a estagnação dos produtos americanos. Este fato gerou o
desaceleramento da indústria americana com a consequente baixa das suas ações.
A euforia cessou e iniciou a corrida nas bolsas para a venda de ações,
provocando a sua queda vertiginosa.
Na Segunda Guerra não foi muito
diferente e enquanto Hitler bombardeava seus aliados, eles se mantinham neutros
porque o senado não aprovava o seu ingresso. Essa decisão era muito importante
para a indústria americana que trabalhava a todo vapor para abastecer uma
Europa que se endividava por causa da guerra.
Churchill gastava sua retórica
para controlar a revolta dos britânicos, enquanto os EUA lhes passavam sucata
da primeira guerra mundial em troca das possessões britânicas espalhadas pelo
mundo. Hoje elas são bases militares americanas.
Os japoneses vieram tirá-los da
neutralidade quando atacaram a base naval de Pearl Harbor no pacífico, em 7 de
dezembro de 1941, forçando-os a ingressarem no conflito. Mas, ainda com a
guerra em ebulição, os EEUU convocam a Conferência de Bretton-Woods, num
momento extremamente inadequado para o restante do mundo, mas que lhe era
altamente favorável para impor condições que não seriam aceitáveis em tempos
normais. Uma delas previa a retirada do lastro-ouro da moeda americana. O
general De Gaulle se insurgiu contra esta medida, uma vez que ela pretendia na
prática tornar a moeda americana ainda mais privilegiada em detrimento das
demais. Por outro lado, a medida fazia com que os Bancos Centrais dos demais
países bancassem a moeda americana, sustentando o seu déficit, forçando-os a
manter divisas em dólar. A moeda americana iria se transformar em lastro,
sucedendo o ouro. Isto aconteceu de fato, após o Presidente Nixon declarar
unilateralmente que os EEUU não mais converteria a sua moeda em ouro.
Na Convenção de Bretton-Woods
foram criados o Banco Mundial e o Fundo Monetário Internacional – FMI. Também
foi criado o GATT, com a finalidade de preparar o terreno para a Organização
Mundial do Comércio – OMC, implantada oficialmente em 1º de janeiro de 1995.
Desta forma, os EUA vinham
consagrar no plano internacional a doutrina do laissez-faire, bem antes do previsto pelo general
Ulisses Grant em 1865, quando afirmou: “Durante séculos a Inglaterra confiou na
proteção, levando-a até seus extremos e obtendo disso resultados satisfatórios.
Não resta dúvida que deve sua força presente a este sistema. Depois de dois
séculos, a Inglaterra achou conveniente adotar o comércio livre, porque pensa
que a proteção não pode oferecer mais nada. Muito bem, então, cavalheiros, meu
conhecimento de meu país me conduz a crer que dentro de duzentos anos, quando a
América tiver obtido da proteção tudo que a proteção pode oferecer, adotará
também o livre-comércio”. GALEANO Eduardo in “As Veias Abertas da
América Latina”.
A OMC tem por finalidade quebrar
as barreiras alfandegárias, possibilitando o livre comércio em todo o mundo.
Também resta incluso, a impossibilidade da criação de artifícios tributários
que visem inibir a entrada do produto estrangeiro, ou a desoneração do produto
nacional lhe possibilitando oferecer melhores preços no comércio externo. Estas
medidas ganharam espaço no cenário mundial sobre o nome genérico de
Globalização e, para um público mais restrito, é o chamado neo-liberalismo que,
rigorosamente falando, nada tem de novo.
No entanto, estas medidas têm por
embrião o antigo livre-cambismo de origem britânica, onde eles buscavam
legitimar suas intervenções militares pelo mundo, tendo, por exemplo, a invasão
da China na chamada Guerra do Ópio, quando impuseram a manutenção deste
comércio em terras do Império Chinês. É dessa época a ocupação de Hong-Kong que
vigorou até o ano de 1997, quando foi devolvido à China.
Razões semelhantes marcaram a
Guerra Civil americana, quando o norte industrializado e necessitando ampliar o
mercado consumidor, viu na emancipação dos escravos o caminho para esta
ampliação. O sul desguarnecido de indústrias e dependente da produção agrícola
e, com ela, da mão de obra escrava, não viu com os mesmos olhos a medida
proposta pelo irmão do norte. Esse desentendimento mercadológico, travestido
numa causa humanitária, conduziu a nação a uma guerra de grandes proporções. E
a prova maior de tudo isto está no fato de que até hoje a nação americana é
marcada pelo racismo, malgrado o amparo legal advindo das leis civis que
marcaram as lutas dos anos 60.
Após a Segunda Guerra Mundial, os
EEUU e seus aliados tinham pela frente outro poderoso adversário: o comunismo.
Este sistema fez a sua estreia inaugural em 1917, quando foi implantado na
Rússia. Esta, que figurou como aliada contra o nazismo, saiu fortalecida da
guerra, incorporando os países por ela libertos ao Bloco Comunista. Para conter
uma debandada de importantes países para este Bloco, os EEUU adotaram a
estratégia de ajudá-los a superar as dificuldades do pós-guerra e, também, para
usá-los como propaganda contra o comunismo.
O Japão foi esmagado por duas
bombas atômicas, arma com que os EEUU pretendiam fazer a Rússia e os demais
adversários se dobrarem aos seus pés, utilizando o Japão como cobaia do seu
novo poderio. A alegria americana durou pouco e em agosto de 1949, a Rússia
anunciava ao mundo e, em especial, aos americanos, que haviam
testado com sucesso a sua bomba atômica. A pretensão americana virava um
pesadelo.
No entanto, o Japão era muito
importante para que corressem o risco de vê-lo nos braços dos comunistas.
Diante disso, os EEUU lhes forneceram dinheiro, mercado e tecnologia,
visando propiciar o seu desenvolvimento e integração na comunidade capitalista
ocidental. Pela mesma forma trataram a Coréia do Sul, Taiwan e Alemanha
Democrática.
Estes países se
desenvolveram bem mais do que o esperado pelos americanos e, hoje, em
tempos de globalização com a qual os EEUU esperavam dominar o mundo, estes
países turvam o seu caminho e representam a maior concorrência que eles
têm, depois da China. A China é um gigante que brotou do comunismo e ameaça
a liderança mundial dos EEUU, colocando em xeque a sua doutrina do Destino
Manifesto.
5. CONCLUSÃO
O liberalismo, ao longo da
sua história, sempre foi absorvido como a expressão maior da liberdade do
homem. No entanto, ao aprofundar no tema, verificamos que, a pretexto de
liberdade, o liberalismo é a arma dos fortes contra os mais fracos
economicamente.
É possível verificar que o
livre-cambismo do império britânico era o sofisma que legitimava a sua
vampiragem contra países mais fracos belicamente. A modalidade insculpida no
Código Napoleão levaria a França a um caos como o produzido pelo crack da bolsa nos EEUU nos anos
30. Os EEUU são os fabricantes do dólar e, por isso mesmo, muito mais fortes. Dessa forma, eles puderam superar as suas
dificuldades adotando o new deal de inspiração keynesiana.
No entanto, a França, sem a couraça do dólar, se veria indefesa contra o
aparato legal herdado de Napoleão. Portanto, agiram corretamente em promover a
alteração necessária em sua legislação.
A Doutrina do Destino Manifesto
legitima o expansionismo americano e as suas intervenções militares ao longo da
história. Ela foi produzida sob a inspiração profética de Thomas Payne, que
anteviu o poderio americano que os fatos corroboram ao longo do tempo. No
entanto, a sua construção maior estaria consolidada com os acordos de
Bretton-Woods, de onde emanam a OMC e a Globalização. O que Payne não previu, e
isso pode derrubar o arcabouço previsto na doutrina, foi o surgimento de uma
China, poderosa econômica e belicamente, figurando no rol das superpotências.
Em outra vertente, os países amparados pelos EEUU, desde o fim da segunda
guerra mundial, aproveitaram essa ajuda e hoje são as potências econômicas que
minam o projeto previsto em Bretton-Woods.
Em que pesem todos estes transtornos,
a nação americana tem se mostrado à altura dos desafios que atravessaram o seu
caminho ao longo de toda a sua existência. Independentemente da simpatia ou
antipatia que ela possa despertar, é um fato palpável que o ideal da Doutrina
do Destino Manifesto tem obtido a sua comprovação até os tempos atuais. O tripé
da escola americana se assenta no capitalismo, liberalismo e o seu destino
manifesto.
Antônio Amâncio de Oliveira