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Revista Espírita
Jornal de Estudos Psicológicos
ANO V DEZEMBRO DE 1862 No 12
Estudos sobre os Possessos de Morzine
CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LA
As observações que fizemos sobre a epidemia que se
abateu e ainda investe sobre a comuna de Morzine, na Alta Sabóia,
não nos deixam dúvidas quanto à sua causa. Mas, para apoiar nossa
opinião, devemos entrar em algumas explicações preliminares, que
melhor ressaltarão a analogia desse mal com casos semelhantes,
cuja origem não poderia ensejar dúvida a quem esteja familiarizado
com os fenômenos espíritas e reconheça a ação do mundo invisível
sobre a Humanidade. Para tanto se faz necessário remontar à
própria fonte do fenômeno e seguir-lhe a gradação, desde os casos
mais simples, explicando, ao mesmo tempo, a maneira pela qual se
processa. Daí deduziremos muito melhor os meios de combater o
mal. Embora já tenhamos tratado do assunto em O Livro dos
Médiuns, no capítulo da obsessão, e em vários artigos desta Revista,
acrescentaremos algumas considerações novas, que tornarão a
coisa mais fácil de compreender.
O primeiro ponto que importa nos compenetremos, é
da natureza dos Espíritos, do ponto de vista moral. Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, e não sendo bons todos os
homens, não é racional admitir-se que o Espírito de um homem
perverso se transforme subitamente; caso contrário não haveria
necessidade de castigo na vida futura. A experiência vem confirmar
a teoria ou, melhor dizendo, esta teoria é fruto da experiência. De
fato, as relações com o mundo invisível nos mostram, ao lado de
Espíritos sublimes em sabedoria e conhecimento, outros ignóbeis,
ainda com todos os vícios e paixões da Humanidade. Depois da
morte, a alma de um homem de bem será um Espírito bom. Do
mesmo modo, encarnando-se, um Espírito bom será um homem
de bem. Pela mesma razão, ao morrer, um homem perverso dará
um Espírito perverso ao mundo invisível; e um Espírito mau, ao se
encarnar, não pode transformar-se num homem virtuoso, pelo
menos enquanto o Espírito não se houver depurado ou
experimentado o desejo de melhorar-se. Porque, uma vez entrado
na via do progresso, pouco a pouco se despoja de seus maus
instintos; eleva-se gradualmente na hierarquia dos Espíritos, até
atingir a perfeição, acessível a todos, porquanto não pode Deus ter
criado seres eternamente votados ao mal e à infelicidade. Assim, os
mundos visível e invisível se interpenetram e se alternam
incessantemente, se assim nos podemos exprimir, e se alimentam
mutuamente; ou, melhor dizendo, na realidade esses dois mundos
não constituem senão um só, em dois estados diferentes. Esta
consideração é muito importante para melhor compreender-se a
solidariedade que existe entre eles.
Sendo a Terra um mundo inferior, isto é, pouco
adiantado, resulta que a maioria dos Espíritos que o povoam, quer
no estado errante, quer como encarnados, deve compor-se de
Espíritos imperfeitos, que fazem mais mal que bem. Daí a
predominância do mal na Terra. Ora, sendo a Terra, ao mesmo
tempo, um mundo de expiação, é o contato do mal que torna
infelizes os homens, pois se todos os homens fossem bons, todos
seriam felizes. É um estado a que ainda não alcançou nosso globo,
e é para tal estado que Deus quer conduzi-lo. Todas as tribulações que os homens de bem aqui experimentam, tanto da parte dos
homens, quanto da dos Espíritos, são conseqüências deste estado
de inferioridade. Poder-se-ia dizer que a Terra é a Botany-Bay dos
mundos: aí se encontram a selvageria primitiva e a civilização, a
criminalidade e a expiação.
É preciso, pois, apresentar-se o mundo invisível como
formando uma população inumerável, compacta, por assim dizer,
que envolve a Terra e se agita no espaço. É uma espécie de
atmosfera moral, da qual os Espíritos encarnados ocupam a parte
inferior, onde se agitam como num vaso. Ora, do mesmo modo
que o ar das partes baixas é pesado e insalubre, esse ar moral é
também prejudicial, porque corrompido pelos miasmas dos
Espíritos impuros. Para resistir a isso são necessários temperamentos morais dotados de grande vigor.
Digamos, entre parênteses, que tal estado de coisas é
inerente aos mundos inferiores. Mas estes seguem a lei do
progresso e, quando atingirem a idade requerida, Deus os purifica,
deles expulsando os Espíritos imperfeitos, que aí não mais se
reencarnam e são substituídos por outros mais adiantados, que
farão reinar a felicidade, a justiça e a paz. No momento se prepara
uma revolução desse gênero.
Examinemos, agora, o modo recíproco de ação dos
Espíritos encarnados e desencarnados.
Sabemos que os Espíritos são revestidos de um
envoltório vaporoso, formando para eles um verdadeiro corpo
fluídico, ao qual damos o nome de perispírito, e cujos elementos são
colhidos do fluido universal ou cósmico, princípio de todas as
coisas. Quando o Espírito se une a um corpo, aí vive com seu
perispírito, que serve de ligação entre o Espírito propriamente dito
e a matéria corporal; é o intermediário das sensações percebidas
pelo Espírito. Mas o perispírito não está confinado no corpo, como numa caixa; por sua natureza fluídica, ele irradia para o exterior e
forma em torno do corpo uma espécie de atmosfera, como o vapor
que dele se desprende. Mas o vapor liberado de um corpo
enfermiço é igualmente insalubre, acre e nauseabundo, o que
infecta o ar dos lugares onde se reúnem muitas pessoas doentes.
Assim como esse vapor é impregnado das qualidades do corpo, o
perispírito é impregnado de qualidades, isto é, do pensamento do
Espírito, e irradia tais qualidades em torno do corpo.
Aqui um outro parêntese para responder imediatamente
a uma objeção oposta por alguns à teoria dada pelo Espiritismo do
estado da alma. Acusam-no de materializar a alma, ao passo que,
conforme a religião, a alma é puramente imaterial. Como a maior
parte das outras, esta objeção provém de um estudo incompleto e
superficial. O Espiritismo jamais definiu a natureza da alma, que
escapa às nossas investigações; não diz que o perispírito constitui a
alma: a palavra perispírito diz positivamente o contrário, pois
especifica um envoltório em torno do Espírito. Que diz a respeito
O Livro dos Espíritos? “Há no homem três coisas: a alma, ou
Espírito, princípio inteligente; o corpo, envoltório material; o
perispírito, envoltório fluídico semimaterial, servindo de laço entre
o Espírito e o corpo.”57 Do fato de a alma conservar, com a
morte do corpo, o seu envoltório fluídico, não significa que tal
envoltório e a alma sejam uma só e mesma coisa, do mesmo modo
que o corpo não se confunde com a roupa nem a alma com o
corpo. A Doutrina Espírita nada tira à imaterialidade da alma,
apenas lhe dá dois invólucros, em vez de um, na vida corpórea, e
só um depois da morte do corpo, o que é, não uma hipótese, mas
o resultado da observação; é com o auxílio desse envoltório que
melhor se compreende a sua individualidade e melhor se explica a
sua ação sobre a matéria.
Voltemos ao nosso assunto.
57 N. do T.: Vide comentário de Allan Kardec à questão 135 “a” de
O Livro dos Espíritos.
Por sua natureza fluídica, essencialmente móvel e
elástica, se assim nos podemos exprimir, como agente direto do
Espírito, o perispírito é posto em ação e projeta raios pela vontade
do Espírito. Por esses raios ele serve à transmissão do pensamento,
porque, de certa forma, está animado pelo pensamento do Espírito.
Sendo o perispírito o laço que une o Espírito ao corpo, é por seu
intermédio que o Espírito transmite aos órgãos, não a vida
vegetativa, mas os movimentos que exprimem a sua vontade; é,
também, por seu intermédio que as sensações do corpo são
transmitidas ao Espírito. Destruído o corpo sólido pela morte, o
Espírito não age mais e não percebe senão pelo seu corpo fluídico,
ou perispírito, razão por que age mais facilmente e percebe melhor,
já que o corpo é um entrave. Tudo isto é ainda resultado da
observação.
Suponhamos agora duas pessoas próximas, cada qual
envolvida – que nos permitam o neologismo – por sua atmosfera
perispiritual. Esses dois fluidos põem-se em contato e se
interpenetram; se forem de natureza antipática, repelem-se e os
dois indivíduos sentirão uma espécie de mal-estar ao se
aproximarem um do outro, sem disso se darem conta; se, ao
contrário, forem movidos por sentimentos de benevolência, terão
um pensamento benevolente, que atrai. Tal a causa pela qual duas
pessoas se compreendem e se adivinham sem se falarem. Um certo
não sei quê por vezes nos diz que a pessoa com a qual nos
defrontamos deve ser animada por tal ou qual sentimento. Ora,
esse não sei quê é a expansão do fluido perispiritual da pessoa em
contato com o nosso, espécie de fio elétrico condutor do
pensamento. Desde logo se compreende que os Espíritos, cujo
envoltório fluídico é muito mais livre do que no estado de
encarnação, já não necessitam de sons articulados para se
entenderem.
O fluido perispiritual do encarnado é, pois, acionado
pelo Espírito. Se, por sua vontade, o Espírito, por assim dizer, dardeja raios sobre outro indivíduo, os raios o penetram. Daí a ação
magnética mais ou menos poderosa, conforme a vontade; mais ou
menos benfazeja, conforme sejam os raios de natureza melhor ou
pior, mais ou menos vivificante. Porque podem, por sua ação,
penetrar os órgãos e, em certos casos, restabelecer o estado normal.
Sabe-se da importância das qualidades morais do magnetizador.
Aquilo que pode fazer o Espírito encarnado,
dardejando seu próprio fluido sobre uma pessoa, um Espírito
desencarnado também o pode, visto ter o mesmo fluido, ou seja,
pode magnetizar. Conforme seja bom ou mau o fluido, sua ação
será benéfica ou prejudicial.
Assim, facilmente nos damos conta da natureza das
impressões que recebemos, de acordo com o meio onde nos
encontramos. Se uma assembléia for composta de pessoas
animadas de maus sentimentos, o ar ambiente será saturado com o
fluido impregnado de seus sentimentos. Daí, para as almas boas,
um mal-estar moral análogo ao mal-estar físico causado pelas
emanações mefíticas: a alma fica asfixiada. Se, ao contrário, as
pessoas tiverem intenções puras, encontramo-nos em sua
atmosfera como se estivéssemos num ar vivificante e salubre.
Naturalmente o efeito será o mesmo num ambiente repleto de
Espíritos, conforme sejam bons ou maus.