terça-feira, 5 de julho de 2022

 

A Espiritualidade na Maçonaria

Ritual de Iniciação:

Pergunta o  Ven.: M.:

- Senhor ... nos extremos lances de vossa vida, em quem depositais a vossa confiança?

O Candidato responde: – Em Deus!

Acrescenta então, o Ven.: M.: Pois que confiais em Deus, levantai-vos e segui, com passo seguro, o vosso guia e nada receeis.

 

O Candidato estava com os olhos vendados, demonstrando o seu alheamento das trevas do materialismo que lá fora ficaram. Ele agora caminha em direção a verdadeira Luz. Este guia que ele segue na ritualística, destina-se a protege-lo enquanto caminha, ainda, nas trevas da matéria. Mas, no plano etéreo ele está protegido pelo seu Guia Espiritual. Este guia o ajudará a progredir na Ordem, levantando Templos à Virtude e Cavando Masmorras ao Vício. É de supor que aqui num Templo Maçônico, este guia Espiritual que lhe será destinado, seja de um irmão na Espiritualidade com gabarito suficiente para orientá-lo e velar pelo seu progresso espiritual dentro da Ordem.

 

Caso o Candidato tenha sido devidamente instruído e todos os presentes estejam imbuídos do verdadeiro significado da Iniciação, crendo efetivamente no seu papel transcendente, a Iniciação será um marco de extrema importância na vida do Candidato. Este, que agora ornamenta a Coluna do Norte, terá doravante a certeza de que houve uma ruptura em sua vida. Ele saberá que o homem profano, materialista e, via de regra, refratário às coisas sagradas que transcende o materialismo vulgar, morreu ao adentrar no Templo. Deste Templo saiu um novo homem, espiritualizado e ciente do seu papel na sociedade, compenetrado da sua responsabilidade para com a Pátria e para com a humanidade. Este é o iniciado – Maçom.

 

É algo que salta aos olhos de qualquer Maçom, as raízes esotéricas e espiritualistas da nossa Ordem. Por outro lado, ela se vê possuída nos tempos modernos por um materialismo rasteiro que, solapando a sua nobre tradição, lhe impregna a descrença próxima do ateísmo. Esta postura que lhe impregnaram por descuido dos verdadeiros maçons, desidrataram a árvore frondosa da sua seiva rica e poderosa. Urge que recuperemos a nossa antiga tradição e a libertemos dos braços da Hidra que a consome. Assim denuncia a pesquisadora e ocultista Isabel Cooper – Oakley, na sua obra Maçonaria e Misticismo Medieval: “Á medida que se aprofundam as pesquisas relativas à História da Maçonaria, parece cada vez mais provável que o movimento maçônico, para nos expressarmos de modo geral ... a base desse movimento era e é desconhecida de todos aqueles que definitivamente não reconhecem uma direção espiritual ... mas para o estudante de Teosofia que também o é de Maçonaria, torna-se sempre mais evidente que os movimentos comumente chamados maçônicos têm suas raízes naquele vero misticismo ... daquela Hierarquia espiritual que dirige a evolução do mundo; e que ... existe, ... um ensinamento místico na Maçonaria àqueles que olham para além da superfície”. Poderíamos dizer: para o além-do-homem, como diz Nietszche.

 

Destarte, cumpre adiantar que não retiramos coisas da imaginação, tão-somente, mas pesquisadores mais argutos já detectaram a existência da via espiritual dentro da Maçonaria, a via da direita que nos conduz à verdadeira Luz. Cumpre a nós descobrir o Véu de Ísis e resgatar o lado mais puro e nobre da nossa Ordem. Em algum lugar do passado deixamos nos envolver pelas intrigas políticas do mundo material e, com isso, deixamos esta via da espiritualidade e nos entregamos ao materialismo tosco, com as suas mazelas e seus erros.     

 

Dirão alguns, que a nós cumpre velar pelos valores democráticos e lutar contra o obscurantismo que escraviza a humanidade. Este é um posicionamento tipicamente materialista, herético e ateu. Na nossa pretensa capacidade de mudar o mundo usurpamos o poder daquele que nos governa e o dirige:  O Grande Arquiteto do Universo!

 

Disse um dos nossos irmãos do passado “que cada povo tem o governo que merece”. Estes dizeres do irmão Joseph de Maistre, nada tem a ver com a matéria. Ele está dizendo que o merecimento que nos dá o direito de termos governos bons que nos proporcionam uma vida feliz ou o mais próximo disso. São as nossas vitórias sobre nós mesmos, com o desbastar da pedra bruta. Este desbastar que começa em nós e nos impulsiona em direção ao próximo que está em situação de sofrimento, para ajudá-lo a soerguer-se, amparando-o na jornada, é o que recebe os aplausos das hostes celestiais. E ainda que o resto do mundo permaneça debaixo de tempestades e trovoadas, nós estaremos protegidos pela Espiritualidade que quitou os nossos débitos com o desbastar da nossa pedra bruta.

Tenhamos em mente que a matéria é, como dizem os Hindus, maya, a ilusão. O trabalho do iniciado começa pelo desapegar da matéria e isso envolve o acreditar que ela tenha algum poder. O poder dela cessa quando surge o Poder do GADU. Ele impõe a Ordo ab chao ou a ordem no caos. E se preferirem a outra vertente, podemos dizer que no caos ou no mundo da matéria tem uma ordem que a governa. Essa ordem que governa o mundo da forma, é feita sob o império da tirania, da ânsia pela dominação. Pelas punições e vinganças que se eternizam enquanto durar a persistência no erro. Pois, como disse Santo Agostinho, “Criaste-nos para vós Senhor, e o nosso coração vive inquieto enquanto não repousa em Vós”. Esse retorno do homem à senda da Luz, é o desforço expendido pelo irmão Martinez de Pascqually, na sua obra Tratado da Reintegração dos Seres. Destarte, a boa índole do iniciado o tornará receptivo às instruções do seu Guia Espiritual, que estará sempre lhe passando instruções e corrigindo-o nas suas falhas para que ele doravante não se desvie do caminho da verdadeira Luz.

No Eclesiastes Cap. 12

Antes que se quebre o cordão de prata, e se despedace o copo de ouro, e se despedace o cântaro junto à fonte, e se despedace a roda junto ao poço;

E o a volte à terra, como o era, e o bespírito volte a Deus, que o cdeu.

Vaidade ... vaidade, diz o pregador, tudo é vaidade.

 

Antônio Amâncio de Oliveira.’.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022

Rússia - Ucrânia - EUA - Cuba
Em 1963 a Rússia começou sub-repticiamente a montar uma base de mísseis em Cuba. Em princípio,  nada havia de ilegal. Cuba concordava,  era em seu território,  Cuba era um país soberano, até porque os EUA já haviam implantado por lá um campo de concentração ao qual eles chamam de Base de Guantánamo e, com isso,  afrontando a soberania cubana. Portanto,  nada impedia a implantação da base. Exceto o fato de Cuba estar debaixo da janela da Flórida. 
 O então Presidente John Kenedy determinou o bloqueio naval da ilha e exigiu a retirada dos mísseis. A Rússia recuou, retirando os mísseis. 
Nos anos 90, com a debâcle econômica da  URSS e com o  consequente enfraquecimento da Rússia, os EUA viram o momento de avançar com o seu processo de encilhamento. Atraíram para compor a OTAN os países bálticos: Estônia,  Letônia e Lituânia. Até então,  aliados da Rússia,  e que agora apeavam da aliança no momento em que o aliado estertorava.  
A OTAN foi criada em princípio para conter o avanço russo, mas em verdade essa colocação  já está ultrapassada desde a guerra da Sérvia e  o seu  envolvimento na esfacelacão da Iugoslávia. A OTAN e o seu alter ego os EUA, tem claras idéias expansionistas, sempre fiéis a Doutrina do Direito Manifesto. A Ucrânia quebra os acordos de não-agressão ao pretender aderir a um inimigo virtual da Rússia.  Ninguém duvida que se  a Ucrânia ingressar na OTAN,  o seu território será militarizado para servir aos interesses dos EUA, assim como está ocorrendo nos Países Bálticos. Se a Ucrânia aderir à OTAN o próximo passo será a cooptação da Geórgia, depois virá a Armênia e o cerco irá se fechando. 

Aamâncio                                          
Pós-Graduado Lato Sensu em Ciências Políticas pela AWU - American Word University

 https://carreiradoadvogado.com.br/2020/09/16/inventario-de-imovel-financiado/

domingo, 2 de janeiro de 2022

 

Vale do Amanhecer, símbolo de sincretismo religioso, atrai milhares de visitantes

Cerca de 5 mil pessoas frequentam semanalmente a doutrina fundada por Tia Neiva, em busca de curas e tratamentos espirituais


. Foto: Mary Leal

BRASÍLIA (6/12/13) – Reconhecida como a primeira manifestação religiosa criada junto com o Distrito Federal, o Vale do Amanhecer, em Planaltina, reúne constantemente milhares de pessoas em busca de curas e tratamento espiritual, na doutrina fundada pela clarividente Neiva Zelaya – a Tia Neiva.
 

O sincretismo religioso é a principal marca dos ritos, que têm influências cristãs, das religiões afro-brasileiras, e até símbolos baseados em crenças orientais, incas, maias e egípcias, tudo praticado por uma comunidade de mais de mil médiuns.
 

“As pessoas buscam aqui, principalmente, uma cura para as aflições, depois de terem procurado em vários lugares. Elas chegam como se fosse sua última oportunidade e encontram esse sincretismo religioso, que tem um pouco de tudo que já buscaram”, contou o coordenador de Relações Públicas do Vale do Amanhecer, João Flausino, à Agência Brasília.
 

A estimativa da Gerência Regional do Vale é de aproximadamente 5 mil frequentadores, por semana, no local. Quartas-feiras, sábados e domingos costumam ser os dias mais visitados, pois é quando todos os trabalhos oferecidos pela doutrina estão disponíveis aos interessados.
 

Curas espirituais para problemas físicos, passes e conselhos mediúnicos estão entre os mais procurados. Contudo, os visitantes sempre passam primeiro pelas orientações dos espíritos de luz – entidades que, incorporadas nos médiuns, indicam o trabalho de que a pessoa mais precisa naquele momento.
 

O pintor Francisco Ferreira, 33 anos, foi ao espaço pela primeira vez há 20 anos para curar um problema que sofria nas pernas. Hoje, não apenas consegue andar normalmente como se tornou um dos seguidores mais assíduos, inclusive, contribuindo nas assistências mediúnicas.
 

“Procurei os médicos e nenhum deles conseguiu resolver meu problema. Então pedi aos meus pais para vir ao Vale do Amanhecer. Aqui, o mentor preto velho me disse que era um problema espiritual e que eu precisava fazer os trabalhos, só então que eu consegui melhorar”, relatou Francisco.
 

Para a professora do Departamento de Psicologia Social da Universidade de Brasília (UnB), Ana Lucia Galinkin, a possibilidade de os médiuns atenderem diretamente os pacientes e darem uma assistência direcionada aos visitantes torna a doutrina ainda mais atraente ao público.
 

“(Os médiuns) são agentes ativos no processo de tratamento das pessoas que buscam solucionar seus problemas. Isso traz uma satisfação pessoal aos visitantes, que se sentem mais próximos e reconfortados daquilo que irá ajuda-los”, explicou.
 

SÍMBOLOS – Localizado em uma área de 10 mil m², o lugar logo se transformou em ponto turístico de Planaltina, devido à grandiosidade da estrutura e dos seus mais diversos símbolos religiosos.
 

Entre eles estão a estátua do Pai Seta Branca – índio tupinambá que em vida passada teria sido São Francisco de Assis -, uma pirâmide egípcia e uma estrela construída em um lago imenso, no ponto chamado Estrela Candente.
 

Tia Neiva passou a designar seguidores para erguer outros locais de cura espiritual, a começar por Unaí (MG) e Alvorada do Norte (GO). Contudo, a Estrela Candente é firmada apenas em alguns templos, pois somente com ela podem ser feitos todos os trabalhos descritos por Neiva.
 

Agora, a doutrina nascida em Brasília ultrapassou as suas origens. Segundo a Gerência Regional do Vale do Amanhecer, atualmente existem mais de 600 templos ativos em todo o Brasil e em países da América Central.
 

HISTÓRIA – Mãe de quatro filhos, viúva e caminhoneira, Neiva Chaves Zelaya recebeu o convite de Bernardo Sayão para trabalhar na construção de Brasília. Quando veio ao local, que mais tarde seria a cidade do Núcleo Bandeirante, ela começou a realizar seus trabalhos mediúnicos.
 

Em 1958, já conhecida como Tia Neiva, deixou a cidade com os filhos e outras famílias e fundou, em 8 de novembro de 1959, a União Espiritualista Seta Branca (UESB), na Serra do Ouro, próximo a Alexânia (GO).
 

Finalmente, Tia Neiva e seu grupo chegaram ao Morro da Capelinha, em Planaltina, onde demoraram dez anos para construir o atual templo. E então, o Vale do Amanhecer, como é conhecido hoje, foi fundado, em 9 de novembro de 1969.


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Diversidade religiosa faz de Planaltina um campo de fé

 

Alhandra, Acais, Memória e Patrimônio

Em sua História da companhia de Jesus no Brasil, Serafim Leite refere-se a uma área, por ele denominada linha interna, que, ao norte de Olinda, em 1610, era composta por diversos aldeamentos jesuíticos. Essa linha incluía, em seu extremo norte, a Aldeia de Nossa Senhora da Assunção, antigo aldeamento de Arataguy, atual Alhandra, localizada no Litoral Sul da Capitania da Paraíba. Este breve artigo versa sobre o Acais, propriedade que pertenceu aos descendentes do último regente dos indígenas ali aldeados, Inácio Gonçalves de Barros, pai da prestigiosa mestra da jurema Maria do Acais, falecida em 1937.

Com o fim dos aldeamentos na Paraíba, em 1862, as terras da antiga aldeia foram demarcadas e doadas às famílias indígenas, seguindo ordem do Imperador D. Pedro II. O Acais foi, então, doado a João Baptista Acais, como consta na Carta Topográfica da Sesmaria dos Índios de Alhandra, feita pelo engenheiro Antônio Gonçalves da Justa Araújo, em 1865. Parte das terras pertenceria, tempos depois, a José Paulo de Medeiros e Maria do Espírito Santo, conforme contrato de venda, de 1899. No início do século, como mostra um documento de dezembro de 1908 (Termo de Declaração e Descrição de Bens), o Acais teria como proprietária Maria Gonçalves de Barros (considerada a primeira Maria do Acais). Esta doaria a propriedade à sua sobrinha Maria Eugênia Gonçalves Guimarães, que se tornaria conhecida como Maria do Acais (a segunda).

Na ocasião do falecimento da tia, Maria do Acais residia no Recife, na Rua José Mariano, bairro dos Coelhos. Ao herdar a propriedade, por volta de 1910, adotaria domicílio duplo, vivendo no Acais e em sua residência na capital. Como proprietária, tornou a fazenda mais próspera, tendo construído casas e erguido a Capela São João Batista. A prestigiosa mestra, que faleceu em 1937, teve nove filhos, dentre os quais apenas Flósculo Guimarães, que teria seguido a tradição da família, permaneceu na propriedade. Seu Flósculo havia solicitado ao prefeito da capital (Alhandra figurou como distrito de João Pessoa até 1958) autorização para ser enterrado atrás da capela do Acais. Assim, em janeiro de 1959, foi ali sepultado, tendo sobre seu túmulo uma escultura em concreto de um tronco de jurema.

Flósculo era casado com a sua prima Damiana Guimarães da Silva, juremeira também renomada, com a qual teve quatro filhos. Ela, que faleceu em 1978, foi a última mestra da família.

Quase meio século após ter sido elevada à categoria de vila (o que ocorreu em 1765, no contexto do diretório pombalino), Alhandra se manteve como comunidade indígena, como evidenciam diversos documentos e relatos da época, a exemplo do registro feito por Henry Koster, que por lá passou em 1810. Trinta anos após a extinção dos aldeamentos, o que ocorrera, como mencionado, em 1862, Joffily, contrariando os dados oficiais que proclamavam o “desaparecimento dos índios”, registrou, em 1892, a predominância do que chamou de “typo indígena puro”, que na Paraíba só seria encontrado na Bahia da Traição e em Alhandra.

Apesar da importância dos indígenas em Alhandra, sobretudo da família de Maria do Acais, o passado indígena, ao longo do século XX, foi desaparecendo da memória da comunidade. Esse processo de “esquecimento”, no entanto – como sugere Paul Zumthor em relação ao papel do esquecimento nas culturas humanas –, não anula o que da memória do grupo foi esquecido. Ele “apaga”, ao mesmo tempo em que clarifica o que deixa à lembrança, transformando-o em um complexo sistema semiótico. Deste modo, a tradição da jurema em Alhandra seria parte dos “traços memoriais” indígenas daquela região, sendo assimilada e concebida por seus/suas praticantes como uma figura de “eternidade segura”.

Esse passado memorial, portanto, é representado pela jurema, fenômeno religioso, cujo nome advém da planta de igual nome, a partir da qual se produz uma bebida, também denominada jurema, ingerida durante os rituais. Para um número significativo de juremeiros/as nordestinos/as, Alhandra seria o berço dessa tradição, em razão, sobretudo, do prestígio de mestres e mestras do Acais.

O registro mais antigo que temos sobre o Acais foi feito em 1865. Ao longo do século XX, a propriedade foi descrita, direta ou indiretamente, por nomes como Gonçalves Fernandes, Roger Bastide, Arthur Ramos, Vandezande, entre outros. Era composta por uma casa principal, algumas casas de moradores, um coreto e, na parte mais alta, a Capela de São João Batista e a escultura sobre o túmulo do mestre Flósculo, mencionadas acima. Por trás da casa principal onde viveu a prestigiosa mestra, existia até pouco tempo uma das “cidades” da jurema mais antigas, santuários formados por um ou mais pés de jurema, considerados moradia dos mestres.

Com o falecimento da última proprietária, Maria das Dores (Dorinha), neta de Maria do Acais, um latifundiário aparece como o novo dono das terras. Ele manda destruir a casa, o coreto e os pés de jurema (as “cidades”) que lá existiam, criando um cenário de devastação e indignação. Restaram a capela e a escultura sobre o túmulo do mestre Flósculo – talvez por estarem localizados no lado oposto da casa, separados pela estrada.

Parte do patrimônio da jurema estava, assim, destruído, sendo ignoradas as tentativas de diálogo (por parte dos/as juremeiros/as) com o poder público, incluindo um projeto de inventário da jurema de Alhandra, com propostas de salvaguarda e preservação da propriedade do Acais, entregue à Superintendência do Iphan na Paraíba.

Para entender por que o Acais foi derrubado, é necessária uma breve reflexão sobre a concepção vigente de patrimônio cultural nacional. Esta, apesar dos avanços no debate e nas políticas públicas, ainda segue uma perspectiva colonial, predominante em todo o ocidente, na qual interesses de grupos dominantes determinam seus usos e significados. Deste modo, não é preciso muito esforço para perceber que o completo descaso com a jurema, que levou à destruição de parte significativa do seu patrimônio cultural, deve-se ao lugar que têm ocupado os povos indígenas e negros na construção do Estado nacional. Com efeito, as políticas patrimoniais ainda se mostram comprometidas com narrativas de memórias e de identidades ditas nacionais, forjadas no vínculo comum com o Estado territorial moderno, em uma perspectiva funcional. Como argumentou Catherine Walsh, a diversidade cultural, a partir de 1990, tornou-se um tema em “moda” nas políticas públicas, reformas educacionais etc. Assim, novas discursividades de reconhecimento e respeito à diversidade cultural serviriam ao propósito de incorporar a diferença e neutralizá-la, esvaziando seu significado efetivo. Seriam, portanto, estratégias de dominação e assimilação, que ofuscam e mantêm a diferença colonial, na perspectiva de uma interculturalidade “funcional”.

A jurema e os/as juremeiros/as, no entanto, que resistiram durante séculos à violência física e simbólica, continuam sua desobediência frente ao sistema-mundo moderno, que se opõe a tudo relacionado à espiritualidade e sacralidade das comunidades negras e indígenas. Com efeito, no momento em que cresce o discurso e as políticas racistas contra as minorias étnicas, naturalizando as assimetrias de poder e ameaçando direitos fundamentais, temos observado um aumento significativo do número de juremeiros e juremeiras, que se organizam, lutam por seus direitos e pela valorização do seu patrimônio.

 

A Jurema sagrada na Amazônia: representação e preconceito religioso nos bois-bumbás de Parintins

Existem poucas abordagens sobre a Jurema Sagrada fora do Nordeste, especialmente na Academia. E na Amazônia – onde esse culto parece ter chegado com as levas sucessivas de migrantes ali aportados nos séculos XIX e XX, esse continuou a ser um saber transmitido de geração em geração entre iniciados nos terreiros. A manipulação das plantas, os cantos rituais e outros elementos do universo encantado da Jurema mantiveram-se, assim, presentes no Candomblé, na Umbanda, no Tambor de Mina e em outras religiões de matriz afro-indígena na Região Norte do país.

A invisibilidade é fruto de um intenso esforço do Estado, aliado histórico do cristianismo hegemônico, em eliminar – senão fisicamente pelo menos simbólica e ideologicamente – as expressões religiosas dissidentes, principalmente as nativas e aquelas trazidas da África. Isso fica claro quando constatamos que não há para a Amazônia, por exemplo, nenhuma história das religiões, apenas “histórias da Igreja”, sendo a maioria delas uma apologia dos processos de catequização. Também nas escolas, nenhuma palavra sobre as espiritualidades não-cristãs: nada de pajelança, nem sobre deuses e entidades indígenas ou sobre plantas curativas e seus “poderes”. Existe um esforço institucionalizado em mantê-las na invisibilidade ou quando muito, nota-se a redução das encantarias à categoria de lendas amazônicas.

Mesmo do ponto de vista numérico, na maioria dos estados ou cidades da Região quase não há identificação de afrorreligiosos, muito embora existam um sem número de searas, centros, terreiros e curadores/as espalhados pelas capitais e interiores. Dados de associações dos povos de terreiros, ainda carentes de sistematização mais elaborada, chegam a mencionar mais de cinco mil terreiros em Belém e Manaus. E em pesquisas que desenvolvemos em Parintins (no médio-baixo Amazonas) constatamos um fenômeno intrigante: mesmo em uma cidade em que ninguém nunca se declarou pertencente às religiões afro-brasileiras, catalogamos aproximadamente trinta lugares de culto dessas tradições. Ao conversar com mães e pais de santo pudemos sentir o peso do preconceito e da violência religiosa dirigida contra eles, o que quase sempre os levou a uma existência discreta, sem autodeclaração, às vezes com o apagamento de qualquer militância e afirmação identitária.

Mas isso tem mudado! E uma nova realidade que emergiu dos processos de descolonização dos imaginários, das políticas afirmativas implementadas na última década e do empoderamento de homens e mulheres negros – inclusive com as leis que obrigam o ensino da história e da cultura afro-brasileira e indígenas nas escolas e universidades – tem causado reações. Vivemos há poucos dias um desses embaraços, que, lido de forma crítica, deve nos animar a seguir em frente na afirmação da diversidade e do respeito religioso como pilares de uma democracia madura.

A mesma Parintins que mencionamos cima é conhecida nacionalmente (e internacionalmente) por sediar todos os anos um dos mais importantes festivais folclóricos do país. Durante o último final de semana de junho, em uma arena com capacidade para mais de vinte mil pessoas, os bois-bumbás Caprichoso e Garantido se apresentam e trazem à baila vários elementos da cultura popular brasileira e amazônica. Inserido no ciclo junino desde o seu nascimento há pouco mais de um século, o festejo continua permeado por elementos da fé local: Nossa Senhora (do Carmo, de Nazaré, Aparecida) sempre presentes e santos surgindo em alegorias e nas toadas (o ritmo que embala as apresentações). Às vezes apareciam timidamente nas letras menções a entidades e encantarias, mas nada que contestasse o caráter católico da festa.

Ocorre que pelos fatores elencados acima (e cremos que o fortalecimento das culturas afro e dos povos de terreiro tem tudo a ver com isso) os bois parecem ter se animado a recuperar suas origens: na última década acentuaram-se as referências estéticas africanas, a sonoridade tornou-se mais próxima a dos pontos e giras e as canções passaram a falar em “consciência negra” ou mesmo em um “boi de negro”. Em 2019, o Caprichoso decidiu rever sua história, colocando em cena a ideia de um “boi-de-santo” que brinca para pagar promessa, mas com uma leve alteração no enredo: talvez esse bumbá tenha sido fruto não apenas de uma devoção católica, mas uma oferenda aos caboclos e ao povo das ruas… e o terreiro em que ele brincava talvez não fosse apenas uma menção ao quintal de terra batida, mas um espaço de culto afrorreligioso. Há suficientes indícios que corroboram essas hipóteses.

Além disso, o tema que o boi encenou no Bumbódromo permitia a ousadia: “um canto de esperança para a Mátria Brasilis”. O eixo escolhido foi a presença do elemento feminino na gênese e no cuidado do mundo. E na esperança estavam associadas as ideias de respeito e convivência fraterna com a natureza e entre diferentes culturas. Como o festival acontece durante três noites consecutivas, o Conselho de Artes do Caprichoso achou por bem cantar na segunda noite a esperança pela fé. Mas não era o caso de ratificar apenas a fé já legitimada pelo poder e, por isso, o eixo proposto foi a Jurema Sagrada como força feminina, de resistência. Todos os elementos remetiam à multicultural formação religiosa brasileira, com uma exposição privilegiada dos motivos afro-indígenas.

Já na abertura, intitulada “Mátrias da fé”, a “mãe Aparecida”, negra e sincretizada, vinha ladeada por Nhandecy (representação mátria de muitos povos nativos) e Yemanjá (a grande mãe para as religiões de matriz afro) – alegorias com cerca de vinte metros de altura. O texto de abertura remetia à pujança do feminino, mesmo quando sufocada pela tradição patriarcal, afinal estamos em uma país de milhões de Marias. O apresentador, o levantador de toadas e o amo do boi traziam em suas roupas uma mistura de elementos cristãos e de outras tradições. Na marujada de guerra (os ritmistas) predominava o amarelo ouro ao invés do azul (cor do Caprichoso): no peito uma santa, mas com indicação clara das cores de Oxum. A celebração folclórica trouxe o “boi-de-encantaria” do Maranhão, celebrando a origem nordestina da brincadeira e dos fundadores do boi. Ao fim da toada o que se cantava era: Toca/ Esse tambor!/ Parintins virou congá/ É axé, Caprichoso, é patuá/ Juremá/ Ié, ié, ié/ Juremá.

O espetáculo tinha vários pontos altos: a vaqueirada (grupo cênico que protege o boi) veio como São Jorge para enfrentar o dragão, representação das maldades contemporâneas, inclusive a corrupção, o racismo, homofobia e o feminicídio. Santo católico, mas figura reconhecidamente apreciada pelas religiões afro-brasileiras e afroindígenas devido à grande força que o sincretismo exerceu sobre essa figura, que passou a representar duas divindades trazidas da África, em alguns lugares o orixá Ogum e em outros o orixá Oxóssi. Nas lanças que cada vaqueiro estava empunhado, o símbolo estampado na bandeira da Umbanda. A figura típica trazia o “sacaca da floresta”. A música que embalou a apresentação tinha como mote uma homenagem ao Pai Daniel (primeiro babalorixá da ilha) que também foi “Dono do Boi” (antiga categoria, equivalente ao atual cargo de presidente) e a alegoria o propósito de trazer um grande terreiro para a arena. Os tuxauas (líderes guerreiros das tribos) encarnaram uma linha de caboclos e o amo do boi versou lembrando que o mesmo Daniel, que no passado cantava no curral Zeca Xibelão (reduto do Caprichoso), era também responsável por um importante centro de umbanda na cidade. Em seguida cantou um ponto enquanto o boi negro se apresentava com as ferramentas dos orixás gravadas em sua barra.

A lenda amazônica trouxe as “As três princesas turcas” do Tambor de Mina e as indumentárias dos itens femininos revelaram as nobres da Turquia ajuremadas nas linhas da espiritualidade amazônica, uma história que revela em suas entrelinhas encontros há muito negados. Para finalizar a noite, o ritual indígena era “Kalankó: um canto para a Jurema Sagrada” – uma rememoração da importância da Toré para os índios do Nordeste, como rito de reconstituição da identidade étnica e que, não raro, agregou elementos religiosos indígenas e africanos.

Não tardou para que um clima virulento marcasse os comentários nas redes sociais. Havia transmissão ao vivo pela TV Cultura, o que permitia um público ampliado para o espetáculo. E aos poucos que destacaram a ousadia e a necessidade de tratar com seriedade a presença das religiões afro no Festival, surgiram centenas de comentários criticando duramente a apresentação. Os argumentos podem ser resumidos em quatro linhas básicas: 1) desvirtuaram o nosso folclore e o que está sendo apresentado não diz nada sobre nós; 2) os torcedores não entendem o que está sendo apresentado porque os argumentos são acadêmicos (“um tratado antropológico”); 3) o Caprichoso trouxe Macumba para a arena e isso é inadmissível; 4) o foco deixou de ser a Amazônia (Jurema e Toré são coisas do Nordeste) e a nossa identidade não passa pelas religiões afrobrasileiras – ela continua sendo católica.

Era evidente que havia mais vigor e paixão no caso dos últimos argumentos, já que eles tocavam em pontos fundamentais da identidade local e soava absurdo àqueles que se portavam como “fiéis” que o catolicismo estivesse ficado em segundo plano. Mesmo quem admitia o sincretismo criticava tantos orixás e turbantes na arena e houve até quem antecipasse punições divinas à agremiação folclórica em função de ter despertado a ira divina.

Festa de Feitura na Jurema Sagrada da Juremeira Adelina.

 https://revistasenso.com.br/jurema/os-planos-encantados-da-jurema-cidades-e-reinos-em-uma-breve-analise-antropologica/


Os planos encantados da Jurema: as cidades e reinos em uma breve análise antropológica

Podemos entender a Jurema enquanto uma religião híbrida, suas origens estão entre os indígenas do nordeste, sua transformação acontece com a invasão dos europeus, a diáspora africana e a entrada do Kardecismo em terras brasileiras. Um dos principais elementos da Jurema, enquanto religião, é a devoção à árvore de mesmo nome, que tem propriedades mágico-curativas e também é uma planta encantadora, ou seja, ela funciona como um portal entre o mundo dos vivos e dos mortos, estes últimos são os Mestres que se encontram em outro espaço da realidade do pós vida.

Simas e Rufino, em sua obra Fogo no Mato: A ciência encantada das macumbas, 2018, afirmam que: “A condição de encanto é a da experiência enquanto existência, superando assim as noções fechadas de vida e morte. A supravivência não é a vida nem a morte”. Então ser encantado é uma experiência singular que transcende a morte e reessignifica a vida; tanto é que a Jurema trata plantas como se fossem Mestres, que têm um ensinamento para dar, por exemplo, o Mestre Aroeira, que é ao mesmo tempo uma árvore que tem potência curadora e a Cabocla Jurema, que recebe o mesmo nome da árvore homônima à religião.

A Jurema também recebe o nome de Catimbó, sendo esta uma nomenclatura mais antiga, que pode significar cachimbo, mato venenoso ou feitiço. O cachimbo constitui um objeto de grande importância para os encantados do Catimbó-jurema, sejam eles Mestres ou Caboclos, esses últimos que geralmente são espíritos encantados dos povos indígenas que viveram no nordeste.

Os principais centros difusores desta religião são os estados da Paraíba e Pernambuco, sendo que Rio Grande do Norte e Ceará também constituem estados com forte presença deste culto. Os lugares antigos onde os juremeiros habitaram e que são conhecidos pelos juremeiros modernos se tornam lugares encantados, que servem de portal de comunicação entre os planos material e encantado. São esses locais o sítio do Acais, em Alhandra e a mata do Catucá, em Abreu e Lima, Paraíba e Pernambuco respectivamente. Esses locais são conhecidos como cidades encantadas, locais esses materializados por sua historicidade e presença física no mundo empírico. Lá juremeiros fizeram catimbó e giras foram feitas, a terra fora encantada através do rito.

Na Jurema existem ainda objetos encantados, como taças com água, que representam príncipes e princesas, a praia de Tambaba, no litoral sul da Paraíba também é um local encantado onde diz a narrativa que para lá vão as almas dos Mestres que morrem, lá eles se encantam e depois de sete anos podem se comunicar com os vivos.

Dito isso, temos que eventos e festividades são realizadas com frequência por juremeiros que viajam de suas cidades em busca da ciência da jurema, ou seja, o aprendizado e a sabedoria presente neste sistema religioso. Grandes personagens da Jurema são Malunguinho, que era quilombola que atuavam nas matas de Pernambuco, no Catucá; Zé Pilintra, que andou, segundo contam na Paraíba, Pernambuco, Alagoas e Rio de Janeiro; assim como os diversos Caboclos, que são de etnias indígenas presentes em vários locais do nordeste, como os Canindé e Tapuias.

Os personagens do Catimbó-jurema, nomenclatura identirária que funde a antiguidade e a contemporaneidade, foram feiticeiros durante a vida material, malandros, capoeiristas, brincantes da cultura popular, podemos supor, e também bravos guerreiros e militantes que lutaram contra as injustiças sociais. Como passaram para os reinos da Jurema, este é um mistério. Para que um Juremeiro se torne um encantado é necessário o ritual do tombamento, onde se toma o chá da árvore e, em alguns casos, se insere a semente dentro do corpo, de forma mágica ou não, quando sua pele é cortada e uma semente inserida. Existem documentos que provam que no período colonial os indígenas bebiam uma porção feita da Jurema, que fazia com que eles tivessem acesso ao mundo encantado. Atualmente o Catimbó-jurema não utiliza esta bebida dos primeiros habitantes do Brasil. O efeito de transe pós ingestão da bebida que atualmente é feita, depende do indivíduo e a mesma é produzida de forma diferente por um Mestre, de terreiro a terreiro, se utilizando de sua ciência. Geralmente esta bebida feita no Catimbó-jurema atual envolve o álcool.

Os rituais do Catimbó-jurema podem ser feitos com Tambores, e esses ritos são geralmente chamados de Toré ou apenas com os Maracás, quando se faz o ritual de mesa e a Jurema de chão, onde todos sentam em banquinhos ou diretamente no chão. Nas mesas e Jurema de chão geralmente os Mestres trabalham mais do que “brincam”, como acontece nos torés ou juremas batidas (com tambor).

Quando falamos de encantaria, não podemos deixar de comparar o Catimbó-jurema com as encantarias do Maranhão, por exemplo, com o Terecô e a Pajelança. Nessas tradições, o conceito de encantaria possui uma eficácia e importância significativa se compararmos com o Catimbó-jurema. Lá também existem falanges de reis, príncipes e princesas turcas, que, por algum motivo vieram parar no Brasil, além dos Caboclos indígenas já conhecidos pelo Catimbó-jurema. Cada um com sua linha, ou seja, seu espaço delimitado de trabalho e habilidades mágicas.

O encante é um lugar paralelo ao mundo que conhecemos cotidianamente e pode estar presente em rochas, furnas, como entre os Tabajara contemporâneos da Praíba, rios, árvores e locais da mata e até nas profundezas terrestres. Animais também podem ser encantados. A letra desta toada, que são as cantigas de invocação, expressam bem este elemento do encante: No fundo do mar tem uma pedra; debaixo da pedra tem ciência, quem tiver perturbado neste mundo, peça a Deus pra lhe dar a paciência”.

Podemos dividir a encantaria do Catimbó-jurema em três planos: 1. O plano astral-mítico-encantado, que são locais não localizáveis no mundo material; 2. O plano simbólico, que é representado pelas toadas, pela literatura e pelos objetos e 3. O plano físico, que são locais fora do terreiro e presentes na natureza tidos como encantados. Esses planos não estão isolados, mas possuem íntima relação e os diversos juremeiros entrevistados em pesquisa têm uma inclinação maior ou menor para um dos planos especificamente.

O Catimbó-jurema possui um segredo, encanta a realidade nordestina, preserva tradições populares, como o coco de roda e os personagens históricos; nos apresenta uma nova possibilidade de ver o Brasil, país multicultural por excelência; a refletir o mundo pós-colonial e reconstruir a história dos povos excluídos.