quinta-feira, 24 de outubro de 2019

Meu Diário

Voltando ao Maniqueísmo que não acho tão errado como propôs Santo Agostinho ao apear da canoa. Entendo eu que no mundo digladiam sim, as duas forças antagônicas: o bem e o mal. Elas representam a luta do espiritualismo com o materialismo. Estão representadas na luta interna do Bhagavad-Gitâ. Nós carregamos estas duas potências que buscam dominar o nosso mísero corpo e a mente sublime. São o Thanátos e o Eros freudianos. O nosso aprendizado envolve este confronto que nos provoca para o desbastar da pedra bruta. Começando pelo difícil caminho da humildade que implica no silêncio ante à agressão, submissão ante à arrogância e o acatamento submisso ante à prepotência. E o que às vezes é o mais difícil, admitir estes senhores como nossos instrutores e aos quais devemos ser reconhecidos e agradecidos quanto maior for a força do golpe. Calúnias, difamação, humilhação e o que vier devem ser aceitos  e acatados como bem-vindos. Assim, se alguém te forçar a andar uma milha, vai com ele duas. Devemos nos esforçar pela felicidade dos outros e não egoisticamente pela nossa.

terça-feira, 8 de outubro de 2019


O FOGO SAGRADO

As brumas do tempo escondem um passado de magia e mistério que aos poucos nos é revelado. É um mundo fascinante que nos mostra a grande religiosidade dos nossos antepassados e, aos poucos, nos vai  mostrando a identificação da sua religião com as crenças modernas, mas coberta por um contexto de maior religiosidade, uma maior proximidade com a espiritualidade invisível. É essa espiritualidade que os amparou e protegeu dos perigos que os rondavam, garantindo a sobrevivência das suas crenças, possibilitando que delas hoje possamos ter conhecimento.

O Fogo Sagrado foi uma das mais importantes religiões do passado de onde derivaram conceitos e símbolos que nos acompanham até os dias atuais. 
No nosso ritual de iniciação da GLMMG é dito ao candidato: "pois que assim é, passe pelas chamas do Fogo Sagrado, para que de profano nada lhe reste". 
É importante notar que a expressão Fogo Sagrado vem grafada com letras maiúsculas, denunciando a sua importância. Mais adiante é dito ao candidato, "As chamas que vos envolveram simbolizam o batismo da purificação. Purificado pela água, o Fogo eliminou as nódoas do vício. Estais simbolicamente, limpo. Este Fogo cujas chamas simbolizam também aspiração, fervor e zelo, deve lembrar-vos de que deveis aspirar à verdadeira glória trabalhando ininterruptamente, pela causa em que nos empenhamos e que é a do povo e da felicidade humana." É de se notar ainda que, nas observações em vermelho (na mesma página), é destacado: ( O Fogo Sagrado deve estar em seu lugar no Templo, porém o ir.: Chanceler poderá usar uma vela acesa para representá-lo). Portanto, o  Fogo Sagrado compõe a ornamentação da Loja e tem o seu lugar de destaque.  Como ele deveria ficar em uma pira e permanentemente aceso, abriu-se uma exceção em virtude das dificuldades e perigo que isso acarretava para o Templo. E, como sói acontecer, a exceção se tornou regra. Não vemos vestígios do  Fogo Sagrado em Templo algum.  

Na obra, Obreiros da Vida Eterna, de André Luiz e Chico Xavier, tem uma parte dedicada ao Fogo Purificador, no capítulo 10. Este Fogo Purificador que é enviado pela espiritualidade  superior,  tem por finalidade eliminar as larvas que grassava naquela região, contribuindo para agravar o atraso das entidades em purgação no local. Notem a semelhança com o nosso ritual quando diz: “Purificado pela água, o Fogo eliminou as nódoas do vício”. E devemos acrescentar que a obra de André Luiz, embora espírita, tem forte influência da Teosofia.

A religião grega nos legou um importante mito ligado à Deusa Deméter. Segundo o mito, Deméter passeava com a sua filha Perséfone e esta, ao se distanciar da mãe, desapareceu. Desesperada a Deusa procurou pela filha por todos os lugares imagináveis, sem obter sucesso.  Baldados os esforços ela procurou por Zeus, o pai dos deuses. Este lhe informou que sua filha tinha sido raptada por Hades, o Deus subterrâneo, Deus do Tártaro e de todo o mundo dos mortos. Como Hades, ou o Plutão dos romanos, era também um deus, irmão de Deméter e Zeus, este nada podia fazer contra ele porque quebrava o Pacto Fundamental existente entre eles, desde a formação do mundo.
Todavia, neste interstício em que Deméter procurava recuperar a filha, ela foi acolhida pelo rei e  a rainha da cidade de  Elêusis, sem que eles soubessem da sua divindade. Eles a acolheram como pajem do seu filho. Ela se afeiçoou à  criança e decidiu torná-lo imortal. Para isso, todas as noites e em altas horas quando todos dormiam, ela tirava a criança do berço e se dirigia ao recinto do palácio destinado ao Fogo Sagrado, onde ela recitava fórmulas e orações à divindade do Fogo e passava a criança pelas suas chamas. O ritual seguia já avançado, quando certa noite a rainha acordou e deu pela falta do filho. Ela procurou por toda parte  até chegar ao recinto do Fogo Sagrado onde deparou com a cena ritualística que ali se desenvolvia com a Deusa. Temendo pela vida do filho, a rainha entrou em pânico atraindo a presença do marido e demais serviçais da casa real. Isto forçou a Deusa a se revelar como tal e explicar o que pretendia para a criança, cuja imortalidade foi frustrada naquele momento, já que o ritual era sagrado e secreto, a presença deles o profanou.

A religião do Fogo Sagrado, dentre todas que antecederam ao cristianismo, foi a de maior importância. Também era conhecida como a Religião Doméstica ou dos Deuses Lares. Segundo os historiadores esta religião foi trazida da Ásia pelos Árias. Ela foi introduzida na Índia e de lá se propagou pelo mundo grego, romano. oriente médio e até onde alcançou a civilização destes povos. Ela era praticada no interior das residências, em um local destinado ao Fogo Sagrado. Em torno desse fogo girava toda a vida religiosa da família. O Fogo era cultuado no interior das residências personificando os Manes, as almas ou espíritos dos antepassados daquela família. Pela manhã, a primeira atividade do chefe da casa era se dirigir ao Fogo para reavivar suas brasas e fornecer-lhe a madeira apropriada para o seu alimento. Naquele local ele dirigia também as suas orações e invocava a proteção do Fogo  Sagrado para si e para a sua família. Neste local também era oferecido ao fogo as primícias alimentares da família e a forma como elas eram por ele consumidas  indicava a sua aprovação pela oferenda. Quando retornava do trabalho, era dever deste chefe de família se dirigir antes de tudo ao Fogo Sagrado, repetindo o ritual da manhã. Suas chamas eram atiçadas pela madeira e a ele era dirigidas as preces e agradecimentos pelo dia de trabalho. Após o jantar e antes de todos se recolherem, a família se reunia junto ao Fogo para a prece e oferendas, invocando, ainda, a sua proteção para aquela noite. 
No casamento, o ritual se desdobrava em função da religião do Fogo Sagrado. Acordado entre os noivos e respectivas famílias sobre o matrimônio. A noiva tinha que passar por um cerimonial específico junto ao Fogo Sagrado da sua casa paterna. Nesta era comunicado ao Fogo o casamento e era solicitado o desligamento  da noiva do culto paterno. Com a anuência do Fogo Sagrado, a noiva iria passar por outra cerimônia junto ao Fogo Sagrado na casa do noivo, pedindo a sua aceitação na família e, por conseguinte, na religião daquela casa. Somente após isso, era possível prosseguir com o cerimonial de casamento. Concluído o seu desligamento, ela nunca mais iria participar das cerimônias religiosas junto ao Fogo Sagrado da sua família paterna.

O Fogo era a proteção, amparo e segurança de toda a família. Assim também é retratado na Bíblia Sagrada em 2 Reis 1:12
Elias, do mesmo modo, respondeu a esse oficial: “Se sou homem de Deus, que desça fogo do céu e extermine a ti e aos teus cinquenta homens!” Em seguida, o fogo de Deus desceu do céu e consumiu também este oficial e seus cinquenta soldados.

Também em 1 Reis 18:38 - 
Então o fogo do Senhor caiu e queimou completamente o holocausto, a lenha, as pedras e o chão, e também secou totalmente a água na valeta.

Isaías 31:9
Sua fortaleza cairá por terra por causa do pavor; ao verem a bandeira da batalha, seus líderes entrarão em pânico!”, assim diz Yahweh, o SENHOR, cujo fogo sagrado está no tsion, Sião, cuja fornalha está em Jerusalém.

Portanto, o Fogo Sagrado é uma tradição religiosa que vem de remotas eras, não  foi uma construção aleatória e sem raízes ou gerada ao acaso. 
Esta religião era professada por todas as famílias, mas sem que nenhuma soubesse como ela era cultuada nas demais residências. 
Na parte externa da residência, havia o local onde eram enterrados os falecidos da família. Neste local também eram oferecidas as oferendas para eles. Era composta das comidas e bebidas por eles apreciadas quando  eram vivos.
Estes cultos eram protegidos pelo Estado e obrigatórios por força de lei. Isso se dava porque segundo a crença daquela época, caso não fosse cumpridas as oferendas e prestado o devido culto aos mortos, estes saiam das suas catacumbas  e iriam prejudicar as colheitas, assombrar as pessoas e promover todo tipo de calamidades possível dentro do Estado. E importante frisar ainda que a propriedade não pertencia aqueles que a explorava, ela pertencia aos Manes, representados pelo Fogo Sagrado. Portanto, não se falava em vender ou alienar a propriedade. E o Fogo Sagrado tinha que ser mantido aceso porque simbolizava a continuidade dos Manes. O Fogo apagado significava que aquela família se extinguiu.

A Religião do Fogo Sagrado era praticada, a nível de Estado, com a Deusa Vesta representando o Fogo Sagrado. Ela encarnava a virgindade e como tal representava a fidelidade das mulheres nos lares romanos. A pira sagrada que a representava era mantida acesa por suas  sacerdotisas, as  Vestais,  que também se mantinham virgens pelo período de 30 anos, quando  então  eram liberadas e podiam se casar. Com o mesmo significado e da mesma forma, eram os cultos da Deusa Héstia na Grécia e Agni na Índia. A virgindade obrigatória, se prende ao fato de que a energia sexual é assimilada ao fogo, como se vê no ritual tantra que provoca o despertar da kundalini, a serpente de fogo.
A representação da Kundalini como uma Serpente de Fogo diz muito sobre sua natureza. O fogo está claramente associado à energia sexual e ao poder contido nessa força. A associação com a serpente está no fato de que os chakras estão dispostos em uma linha que serpenteia o corpo humano, e também na forma que a serpente (o animal) atua. O ritual tantra consiste em despertar a Kundalini, conduzindo a energia desde o primeiro chacra ou  Muladhara, que em sânscrito significa suporte, até ao chakra coronário no topo da cabeça onde se encontra a glândula pineal. Esta conhecida por nós desde os tempos de Descartes como uma espécie de antena que nos possibilita o contato espiritual. O ritual tantra tem por finalidade fazer com que o casal chegue ao êxtase espiritual, utilizando a energia sexual que ficou reprimida pelo casal por longo tempo, enquanto estavam em preparação. “A direção das energias da vida deve ser tirada do domínio dos desejos e levada ao da vontade. Até que isto se faça, não pode haver progresso firme em nenhuma direção, porque então os desejos são induzidos pelas coisas do exterior e não dirigidos do interior, variando com os estímulos externos”. (Dion Fortune).  Preparação e Trabalho do Iniciado -  Editora Pensamento.
A virgindade mantinha essa energia/fogo retida no corpo o que caracterizava a Deusa Vesta e suas Vestais. Elas eram, portanto, portadoras do fogo, o Fogo Sagrado.

No festival de Beltane da religião Celta, na chegada da primavera,  era celebrado um ritual que tinha por ponto central a fertilidade. As meninas pré-adolescentes saltavam nuas sobre as fogueiras para atrair a fertilidade. Este festival simbolizava a união das energias masculinas e femininas. E o fogo era o agente propulsor destas energias fornecidas pela mãe-natureza. Diz a Wikipédia: “Durante o festival, eram acesas fogueiras nos topos dos montes e lugares considerados sagrados, sendo um ritual importante nas terras celtas. E como tradição, as pessoas queimavam oferendas como, por exemplo, totens para que o poder do fogo fosse passado ao rebanho e, pulavam as fogueiras para que se enchessem das mesmas energias poderosas”. Este ritual acontecia na chegada da primavera. Isso acontecia no equinócio da primavera, uma estação regida pelo fogo.
Deméter era a deusa da agricultura e da natureza. No acordo celebrado com Zeus e Hades,  para que ela continuasse a dar vida à natureza, Perséfone ficaria com Hades por seis meses e seis meses ela ficaria com a mãe. Antes do seu retorno à superfície, Hades fez com que ela comesse um bago de romã. Era sabido que quem comesse alguma coisa da região do Hades teria que retornar para lá. Assim Perséfone ficou atrelada ao Deus do Tártaro. O retorno de Perséfone ao convívio com a mãe coincidia com a chegada da primavera, simbolizando o retorno à vida com o florescimento de toda a fauna. Demonstrava a alegria da mãe pela presença da filha. A região do Tártaro que é assimilada ao inferno, é a região onde contém um fogo eterno em que são supliciadas as almas dos condenados. Por outro lado, sabe-se que no interior da Terra temos um fogo que mantém toda a vida no planeta, numa região conhecida como Magma.
O ritual das adolescentes nuas no festival de Beltane guarda estreita relação com o mito de Deméter. O fogo é o fogo do Magma ou do Tártaro que mantém a vida no planeta e esta vida só é possível pela fertilidade do solo e todos os seres vivos.     
Desta forma, podemos ver  que o Fogo Sagrado e a sua simbologia e significado permanece entre nós, através da religião. A  Anunciação de Maria pelo anjo, quando ela recebe a comunicação da sua gravidez, se dá nove meses antes do Natal. A fertilização de Maria é obra do Espírito Santo que em toda religião Judaico-Cristã vem assimilado ao Fogo Divino,  criador e purificador. Tal como destacamos abaixo:
Houve uma manifestaço semelhante da presença de Deus na dedicação do templo. “E acabando Salomão de orar, desceu fogo do céu… e a glória do Senhor encheu a casa” (2 Cr 7.1). A presença do fogo era prova da presença de Deus.
Tal era o significado do fogo nos tempos do Velho Testamento. Mas qual é o seu significado para nós hoje? No Novo Testamento, ele é o simbolo da presença e da força do Espírito Santo. Ao anunciar o ministério do Messias, João Batista disse: “… ele vos batizará com o Espírito Santo, e com fogo” (Mt 3.11). A sua profecia foi cumprida. No dia de Pentecostes, quando o Espírito Santo veio com poder sobre os discípulos reunidos, o símbolo escolhido estava bem destacado. “E foram vistas por eles línguas repartidas, como que de fogo, as quais pousaram sobre cada um deles” (At 2.3). Podemos dizer, portanto, que o simbolismo do fogo representa hoje a presença e o poder do Espírito Santo. https://www.revistaimpacto.com.br/o-fogo-purificador-do-espirito/ 
Uma curiosidade africana é a tribo dos Himbas que tem como “Uma das coisas mais importantes o fogo sagrado, ou “okuruwo”. Esse fogo representa os ancestrais da aldeia, que por sua vez são considerados os intermediários para o contato com o “Mukuru”, o deus Himba. Mantido continuamente aceso, o fogo fica entre o gado e a casa do chefe da aldeia (chamada de “Ondjuwo Onene”), e as pessoas não podem cruzar o caminho entre o fogo e a casa do chefe. Toda as noites, é trazida uma brasa do fogo pra dentro da casa do chefe, que servirá pra acender novamente as chamas na manhã seguinte. “  
Por todo o exposto, verifica-se que  a Religião do Fogo Sagrado foi uma das mais importantes religiões do nosso passado e, ao constatarmos a sua importância, somos de admitir que ela se mantém firme em nosso íntimo, assim como está com os Himbas e talvez entre outros povos. Carregamos conosco, sem que saibamos, muita coisa da Religião do Fogo Sagrado e do seu esplendor.
Antônio Amâncio de Oliveira