terça-feira, 26 de fevereiro de 2019

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Revista Espírita Jornal de Estudos Psicológicos
ANO V DEZEMBRO DE 1862 No 12

Estudos sobre os Possessos de Morzine
CAUSAS DA OBSESSÃO E MEIOS DE COMBATÊ-LA

As observações que fizemos sobre a epidemia que se abateu e ainda investe sobre a comuna de Morzine, na Alta Sabóia, não nos deixam dúvidas quanto à sua causa. Mas, para apoiar nossa opinião, devemos entrar em algumas explicações preliminares, que melhor ressaltarão a analogia desse mal com casos semelhantes, cuja origem não poderia ensejar dúvida a quem esteja familiarizado com os fenômenos espíritas e reconheça a ação do mundo invisível sobre a Humanidade. Para tanto se faz necessário remontar à própria fonte do fenômeno e seguir-lhe a gradação, desde os casos mais simples, explicando, ao mesmo tempo, a maneira pela qual se processa. Daí deduziremos muito melhor os meios de combater o mal. Embora já tenhamos tratado do assunto em O Livro dos Médiuns, no capítulo da obsessão, e em vários artigos desta Revista, acrescentaremos algumas considerações novas, que tornarão a coisa mais fácil de compreender. O primeiro ponto que importa nos compenetremos, é da natureza dos Espíritos, do ponto de vista moral. Não sendo os Espíritos senão as almas dos homens, e não sendo bons todos os homens, não é racional admitir-se que o Espírito de um homem perverso se transforme subitamente; caso contrário não haveria necessidade de castigo na vida futura. A experiência vem confirmar a teoria ou, melhor dizendo, esta teoria é fruto da experiência. De fato, as relações com o mundo invisível nos mostram, ao lado de Espíritos sublimes em sabedoria e conhecimento, outros ignóbeis, ainda com todos os vícios e paixões da Humanidade. Depois da morte, a alma de um homem de bem será um Espírito bom. Do mesmo modo, encarnando-se, um Espírito bom será um homem de bem. Pela mesma razão, ao morrer, um homem perverso dará um Espírito perverso ao mundo invisível; e um Espírito mau, ao se encarnar, não pode transformar-se num homem virtuoso, pelo menos enquanto o Espírito não se houver depurado ou experimentado o desejo de melhorar-se. Porque, uma vez entrado na via do progresso, pouco a pouco se despoja de seus maus instintos; eleva-se gradualmente na hierarquia dos Espíritos, até atingir a perfeição, acessível a todos, porquanto não pode Deus ter criado seres eternamente votados ao mal e à infelicidade. Assim, os mundos visível e invisível se interpenetram e se alternam incessantemente, se assim nos podemos exprimir, e se alimentam mutuamente; ou, melhor dizendo, na realidade esses dois mundos não constituem senão um só, em dois estados diferentes. Esta consideração é muito importante para melhor compreender-se a solidariedade que existe entre eles. Sendo a Terra um mundo inferior, isto é, pouco adiantado, resulta que a maioria dos Espíritos que o povoam, quer no estado errante, quer como encarnados, deve compor-se de Espíritos imperfeitos, que fazem mais mal que bem. Daí a predominância do mal na Terra. Ora, sendo a Terra, ao mesmo tempo, um mundo de expiação, é o contato do mal que torna infelizes os homens, pois se todos os homens fossem bons, todos seriam felizes. É um estado a que ainda não alcançou nosso globo, e é para tal estado que Deus quer conduzi-lo. Todas as tribulações que os homens de bem aqui experimentam, tanto da parte dos homens, quanto da dos Espíritos, são conseqüências deste estado de inferioridade. Poder-se-ia dizer que a Terra é a Botany-Bay dos mundos: aí se encontram a selvageria primitiva e a civilização, a criminalidade e a expiação. É preciso, pois, apresentar-se o mundo invisível como formando uma população inumerável, compacta, por assim dizer, que envolve a Terra e se agita no espaço. É uma espécie de atmosfera moral, da qual os Espíritos encarnados ocupam a parte inferior, onde se agitam como num vaso. Ora, do mesmo modo que o ar das partes baixas é pesado e insalubre, esse ar moral é também prejudicial, porque corrompido pelos miasmas dos Espíritos impuros. Para resistir a isso são necessários temperamentos morais dotados de grande vigor. Digamos, entre parênteses, que tal estado de coisas é inerente aos mundos inferiores. Mas estes seguem a lei do progresso e, quando atingirem a idade requerida, Deus os purifica, deles expulsando os Espíritos imperfeitos, que aí não mais se reencarnam e são substituídos por outros mais adiantados, que farão reinar a felicidade, a justiça e a paz. No momento se prepara uma revolução desse gênero.
Examinemos, agora, o modo recíproco de ação dos Espíritos encarnados e desencarnados. Sabemos que os Espíritos são revestidos de um envoltório vaporoso, formando para eles um verdadeiro corpo fluídico, ao qual damos o nome de perispírito, e cujos elementos são colhidos do fluido universal ou cósmico, princípio de todas as coisas. Quando o Espírito se une a um corpo, aí vive com seu perispírito, que serve de ligação entre o Espírito propriamente dito e a matéria corporal; é o intermediário das sensações percebidas pelo Espírito. Mas o perispírito não está confinado no corpo, como numa caixa; por sua natureza fluídica, ele irradia para o exterior e forma em torno do corpo uma espécie de atmosfera, como o vapor que dele se desprende. Mas o vapor liberado de um corpo enfermiço é igualmente insalubre, acre e nauseabundo, o que infecta o ar dos lugares onde se reúnem muitas pessoas doentes. Assim como esse vapor é impregnado das qualidades do corpo, o perispírito é impregnado de qualidades, isto é, do pensamento do Espírito, e irradia tais qualidades em torno do corpo. Aqui um outro parêntese para responder imediatamente a uma objeção oposta por alguns à teoria dada pelo Espiritismo do estado da alma. Acusam-no de materializar a alma, ao passo que, conforme a religião, a alma é puramente imaterial. Como a maior parte das outras, esta objeção provém de um estudo incompleto e superficial. O Espiritismo jamais definiu a natureza da alma, que escapa às nossas investigações; não diz que o perispírito constitui a alma: a palavra perispírito diz positivamente o contrário, pois especifica um envoltório em torno do Espírito. Que diz a respeito O Livro dos Espíritos? “Há no homem três coisas: a alma, ou Espírito, princípio inteligente; o corpo, envoltório material; o perispírito, envoltório fluídico semimaterial, servindo de laço entre o Espírito e o corpo.”57 Do fato de a alma conservar, com a morte do corpo, o seu envoltório fluídico, não significa que tal envoltório e a alma sejam uma só e mesma coisa, do mesmo modo que o corpo não se confunde com a roupa nem a alma com o corpo. A Doutrina Espírita nada tira à imaterialidade da alma, apenas lhe dá dois invólucros, em vez de um, na vida corpórea, e só um depois da morte do corpo, o que é, não uma hipótese, mas o resultado da observação; é com o auxílio desse envoltório que melhor se compreende a sua individualidade e melhor se explica a sua ação sobre a matéria.

Voltemos ao nosso assunto. 
57 N. do T.: Vide comentário de Allan Kardec à questão 135 “a” de O Livro dos Espíritos. 

Por sua natureza fluídica, essencialmente móvel e elástica, se assim nos podemos exprimir, como agente direto do Espírito, o perispírito é posto em ação e projeta raios pela vontade do Espírito. Por esses raios ele serve à transmissão do pensamento, porque, de certa forma, está animado pelo pensamento do Espírito. Sendo o perispírito o laço que une o Espírito ao corpo, é por seu intermédio que o Espírito transmite aos órgãos, não a vida vegetativa, mas os movimentos que exprimem a sua vontade; é, também, por seu intermédio que as sensações do corpo são transmitidas ao Espírito. Destruído o corpo sólido pela morte, o Espírito não age mais e não percebe senão pelo seu corpo fluídico, ou perispírito, razão por que age mais facilmente e percebe melhor, já que o corpo é um entrave. Tudo isto é ainda resultado da observação. Suponhamos agora duas pessoas próximas, cada qual envolvida – que nos permitam o neologismo – por sua atmosfera perispiritual. Esses dois fluidos põem-se em contato e se interpenetram; se forem de natureza antipática, repelem-se e os dois indivíduos sentirão uma espécie de mal-estar ao se aproximarem um do outro, sem disso se darem conta; se, ao contrário, forem movidos por sentimentos de benevolência, terão um pensamento benevolente, que atrai. Tal a causa pela qual duas pessoas se compreendem e se adivinham sem se falarem. Um certo não sei quê por vezes nos diz que a pessoa com a qual nos defrontamos deve ser animada por tal ou qual sentimento. Ora, esse não sei quê é a expansão do fluido perispiritual da pessoa em contato com o nosso, espécie de fio elétrico condutor do pensamento. Desde logo se compreende que os Espíritos, cujo envoltório fluídico é muito mais livre do que no estado de encarnação, já não necessitam de sons articulados para se entenderem. O fluido perispiritual do encarnado é, pois, acionado pelo Espírito. Se, por sua vontade, o Espírito, por assim dizer, dardeja raios sobre outro indivíduo, os raios o penetram. Daí a ação magnética mais ou menos poderosa, conforme a vontade; mais ou menos benfazeja, conforme sejam os raios de natureza melhor ou pior, mais ou menos vivificante. Porque podem, por sua ação, penetrar os órgãos e, em certos casos, restabelecer o estado normal. Sabe-se da importância das qualidades morais do magnetizador. Aquilo que pode fazer o Espírito encarnado, dardejando seu próprio fluido sobre uma pessoa, um Espírito desencarnado também o pode, visto ter o mesmo fluido, ou seja, pode magnetizar. Conforme seja bom ou mau o fluido, sua ação será benéfica ou prejudicial. Assim, facilmente nos damos conta da natureza das impressões que recebemos, de acordo com o meio onde nos encontramos. Se uma assembléia for composta de pessoas animadas de maus sentimentos, o ar ambiente será saturado com o fluido impregnado de seus sentimentos. Daí, para as almas boas, um mal-estar moral análogo ao mal-estar físico causado pelas emanações mefíticas: a alma fica asfixiada. Se, ao contrário, as pessoas tiverem intenções puras, encontramo-nos em sua atmosfera como se estivéssemos num ar vivificante e salubre. Naturalmente o efeito será o mesmo num ambiente repleto de Espíritos, conforme sejam bons ou maus.

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