quarta-feira, 25 de março de 2009

Os Brutos Também Amam


Shane

Um filme memorável sob todos os aspectos. O universo do Oeste visto oníricamente idealizado pelos olhos de uma criança.

''Shane'' é talvez um dos faroestes mais populares que Hollywood já produziu - no caso, a Paramount, que realizou este filme para homenagear o aniversário de 80 anos de seu fundador, o húngaro Adolph Zukor (morto em 1976, com 103 anos de idade).

Já se passaram mais de 50 anos desde que Shane irrompeu nas telas para preencher integralmente os sonhos do menino Joey. Rodado em 1951, mas lançado no cinema somente dois anos mais tarde, o western "Os brutos também amam" começa com uma imagem emblemática do gênero: o mocinho errante (Alan Ladd) chega à fazenda em que Joey (Brandon De Wilde) vive com o pai e a mãe. Jean Arthur logo se sente atraída por aquele forasteiro de maneiras finas, que será um pouco o Lancelot de um triângulo amoroso apenas insinuado. O pai (Van Heflin) faz dele o ajudante, que, num momento decisivo da história, recorrerá à força das armas para livrar a família - e o vale inteiro - do mal encarnado por outro pistoleiro, Wilson (Jack Palance). No final, concluída sua missão, Shane partirá de volta para as montanhas, refazendo, em sentido inverso, a trajetória do começo.

Muitos críticos o vêem por isso como uma encarnação do próprio Cristo, vindo à Terra para uma nova crucificação. A interpretação não é de todo descabida, pois George Stevens (1904-1975) era mesmo um cineasta cristão, obcecado pelos temas do pecado original e da redenção como provam a sua versão de "Uma tragédia americana", de Theodore Dreiser - "Um lugar ao sol"(A place in the sun), Oscar de direção de 1951 -, e também "A maior história de todos os tempos", em que fez do bergmaniano Max Von Sydow o seu Jesus Cristo. Não menos polêmica é a classificação de "Os brutos também amam" como o mais clássico dos westerns clássicos. É a tese que defendem críticos como Will Wright, Robert Warshaw e Paulo Perdigão. Todos - Warshaw no seu ensaio "The westerner", ao qual Paulo Perdigão não deve ter sido alheio ao escrever "Western clássico: gênese e estrutura de Shane" - tentam provar que o filme e o personagem contêm a própria essência do gênero.

As passagens por aquele território haviam sido desbravadas pelo lendário Kit Carson nos anos de 1840, caçador e guia de alta fama que conhecia o Oeste como a palma da mão. Tornou-se caminho obrigatório para quem marchasse pela trilha do Oregon, um dos últimos rincões à beira do Oceano Pacífico a serem integrados ao restante da União norte-americana, em 1850. No tempo em que filme se passa, a população branca do território era insignificante, mal ultrapassando vinte mil moradores, mas nos dez anos seguintes saltaria para mais de 60 mil.

Sua geografia diversificada, onde esplêndidas cordilheiras intercalam vales majestosos e despovoados, também atraiu bandoleiros como os célebres foras-da-lei Butch Cassidy e Sundance Kid, líderes da gangue do Hole-in-the-Wall, a quadrilha do buraco, dedicada a assaltar os trens da Union Pacific. Igualmente foi cenário de uma terrível batalha racial entre os trabalhadores chineses, contratados pelos donos das minas de carvão como fura-greves, e os mineiros do sindicato Knights of Labor, os cavaleiros do trabalho. Guerra que culminou no trágico incidente de Rock Springs, de 1885, ocasião em que os coolies orientais foram massacrados pelos brancos.

Entre os diversos conflitos que se intercruzam no filme de George Stevens (como duelo final entre Shane e Wilson, paradigma do mal, o pistoleiro contratado por Ryker para assustar os colonos e pô-los a correr), está subjacente o que havia separado os americanos durante a Guerra da Secessão (1861-65): o embate da Propriedade contra o Trabalho.

Shane, na verdade um ex-pistoleiro que tentava mudar de vida, é o cavaleiro andante que desequilibra a situação. É a versão faroeste do mito do herói medieval que coloca-se ao lado dos fracos e dos oprimidos. No filme de Stevens ele surge como um campeão da ordem democrática a ser instalada nos Estados Unidos no pós-guerra civil, favorável aos posseiros e colonos que vinham tentar a vida na América.

Impressiona que um roteiro assim engajado (é de A.B.Guthrie baseado na novela de Jack Schaefer, "Shane", 1949) como foi "Shane" tenha sido rodado em Hollywood no começo dos anos 50, em plena Era Macarthista, quando facilmente poderia ter sido denunciado ao comitê de atividades antiamericanas como propaganda subliminar comunista. Independentemente das pancadarias, das fantásticas lutas a soco e a tiros, a conclamação para que os mais fracos se unam e resistam ao despotismo dos mais fortes é a marca ideológica do filme. Shane, porém, como determina a mitologia do andante destemido, tem como destino reparar as injurias do mundo e não pode fixar-se em lugar nenhum. No final ele é acompanhado pelo olhar do garoto Joey quando galopa desaparecendo no rumo das montanhas distantes do Wyoming, em busca de outras aventuras ou da morte.
http://www.sunrisemusics.com/cinema03.htm

(Shane, 1953)


» Direção: George Stevens
» Roteiro: Jack Schaefer, A.B. Guthrie Jr.
» Gênero: Faroeste
» Origem: Estados Unidos
» Duração: 118 minutos
» Tipo: Longa
» Trailer: clique aqui

» Sinopse: Shane, o personagem de Alan Ladd, apresenta-se ao espectador como alguém totalmente misterioso. Cavalgando por uma belíssima planície, ele encontra a família Starrett, colonos que sonham em possuir uma fazenda para seu auto-sustento e acabam convidando Shane para trabalhar para eles. Assim conhecemos nosso herói, que neste faroeste é cheio de problemas e foge bem do estereótipo de herói invencível e auto-confiante encontrado na média de filmes do gênero.

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