domingo, 17 de maio de 2009

Adeus Lule e Sherazai

Escutei a campainha. Duas vezes. Está bem. A curiosidade é maior do que a preguiça. Lule e Sherazai já foram correndo ver quem é. Eu vou devagar, no meu ritmo mesmo. Até porque já sei que é mais um comprador que vai chegar, olhar para o nosso “focinho”, dizer um “ele é lindinho, mas não vou ficar com ele não...” e ir embora. No máximo, vai se interessar por Lule ou por Sherazai, que ficam se exibindo de todas as formas: rolam pelo chão, pulam em cima das crianças, colocam laçinhos coloridos nas orelhas etc. Eu não faço nada disso. Nunca fiz. Acho que, para ser minha mãe e meu pai, eles têm que gostar de mim assim, do jeitinho que eu sou.

Já dá para ver daqui. É um casal do tipo “arrumadinho”. Desses que parecem certinhos e que estão à procura de um bichinho de estimação para alegrar a vida das filhas. Digo filhas porque já vi as duas figuras. Tem uma maior e uma menorzinha, mas ninguém nega que são irmãs. Daqui de onde estou vendo, elas são meio tímidas. A maior está bem afastada de Lule e Sherazai. Não está com nenhuma cara de quem vai ficar com uma delas. Vou chegar mais perto para ouvir o que estão falando:

- Sabe como é Dona Mirtes, minhas filhas estão numa fase em que acho importante conviverem com um animal de estimação, falou o pai. A mais velha tem muito medo desde pequena, já tentamos de tudo... Terapia, psicóloga, comprar outros cachorros etc., nada funcionou!

Não sou muito sentimental não, mas, de alguma forma, a cara de desespero daquele pai me tocou. Enchi o peito de ar, coloquei o melhor sorriso que pude no rosto e resolvi aparecer por lá também. Quando ia me aproximando, a mãe me deu “um balde de água fria”:

- Gostei muito desta pretinha, a Lule. Bom mesmo porque eu queria uma fêmea. Se as meninas quiserem, podemos ficar com ela!

- Olha esta outra. Não tinha visto. Qual o nome dela?, perguntou a filha mais nova quando cheguei na varanda onde estavam.

- Não é esta. É este. O nome dele é Joca. Tem apenas um mês, por isso ainda é meio desengonçadinho. Mas sua mãe já disse que prefere fêmeas. E de cores mais escuras porque sujam menos. Por que não escolhe entre Lule e Sherazai?, disse Dona Mirtes à menina.

Esta velha rabugenta está louca para se ver livre das meninas porque elas aprontam todas. Mas parece que, finalmente, a sorte resolveu sorrir para mim. A mais velha, que até agora estava escondida atrás da mãe, veio em minha direção e fez um cafuné meio desconfiado na minha cabeça. Depois olhou para mim e, como se já me conhecesse, abriu um sorriso:

- Que bonitinho! Parece uma bolinha de algodão...

- Nada de machos, disse a mãe. Eles dão muito trabalho quando estão no cio. Além disso, fazem xixi pela casa toda. Se não querem uma das fêmeas, vamos embora.

Aquela cena foi um tanto quanto ridícula, mas confesso que fiquei feliz: as duas irmãs, que usavam “marias-chiquinhas” com uns laços enormes, abriram a boca a chorar ao mesmo tempo, dizendo que queriam ficar comigo.

Minutos depois, estava eu, dentro do carro daquela família. Me colocaram sentado no banco de trás entre as duas irmãs e estavam discutindo o meu novo nome. Escolheram Binho porque foi o nome de um cachorro que o pai tinha tido quando criança. Não gostei nem desgostei. Achei estranho mudar de nome. Mas tudo bem. Vida nova, nome novo.

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*Ariane Bomgosto é escritora.

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