Artigo de Claudio de Moura Castro publicado no jornal O Estado de São Paulo de hoje (14).
Entre os 10 e os 16 anos, como
frequentava uma escola medíocre, de interior, em vez de estudar
assuntos chatos e mortos, passava o tempo livre nas oficinas de
manutenção de uma fábrica local. Guiado pelos velhos mestres, serrei,
preguei, limei e bati martelo nas forjas. Deslumbrava-me com a vida e os
desafios das oficinas. Passados os anos, descobri que a minha
inteligência se desenvolveu mais lidando com problemas na bancada do que
nos bancos escolares. A
percepção de que se aprende com as mãos é moeda corrente nas
corporações de ofício europeias, de origem medieval. Para os Compagnons
du Devoir (França), "o conhecimento mora na cabeça, mas entra pelas
mãos". Ou seja, "a inteligência da mão existe" (J. Berger). Segundo
os compagnons, o homem teria duas inteligências, uma especulativa e
outra prática, por isso tem uma cabeça e duas mãos. Para eles, lógica se
aprende resolvendo problemas de torneiras ou encaixes. Ruminações de serralheiros e carapinas? Nem tanto, pois o filósofo grego Anaxágoras afirmou: "Por ter mãos, o homem é o mais inteligente dos animais". Ou, se queremos artilharia pesada, que tal Kant, para quem a "mão é a janela da mente"? O papel do lado prático da escola aparece em Montessori e outros, ganhando força na escola de Rudolf Steiner. Infelizmente, a
escola foi atropelada pelo peso do academicismo, ficando meio
artificial. Foi monopolizada por gente voltada para a "inteligência
especulativa". O uso das mãos sumiu da
escola. Com a miragem do "knowledge worker", ter-se-ia tornado um
apêndice subalterno, cuja única função é apertar teclas. Mas
eis que o assunto desperta, com novas roupagens e escoltado pela melhor
ciência neurofisiológica. Charles Bell fala da "mão inteligente". De
fato, descobriu-se que a mão se comunica com o cérebro por múltiplos circuitos neuronais, enleando-se promiscuamente com os da inteligência.
Ou seja, foi mapeado um acesso privilegiado da mão ao pensamento.
Alguns pesquisadores afirmam que, dispondo de um instrumento tão
sofisticado e sensível, a mão do homem fez o cérebro evoluir. Aceitemos, pois, como séria a teoria de que aprendemos com as mãos. Duvidam?
Mostre-se a uma pessoa um canivete, de todos os ângulos, com todos os
detalhes. Aparentemente, tudo foi visto. Mas, inevitavelmente, virá o
pedido: "Deixa eu ver" - levando à cuidadosa manipulação do objeto. Se
os olhos já haviam visto tudo, faltava às mãos enxergar. Diante disso,
por que deixa de ser usado na escola esse grande livro-texto que são as
mãos? Aprendemos
ao segurar, medir, pesar e desmontar. Aprendemos quando usamos
ferramentas, quando resolvemos os mil problemas de construir alguma
coisa ou de consertar um aparelho. Não creio que deslindar sujeitos e
predicados em Os Lusíadas seja mais educativo do que deduzir logicamente
por que a lâmpada não acende. Pesquisar um circuito elétrico, com
diagramas e aparelhos de testes, é analiticamente tão denso quanto muito
do que se pretende fazer na escola. Além disso, obriga aos múltiplos
saltos entre a abstração do circuito no papel e os componentes do
circuito de verdade. É assim que se aprende teoria, pendulando entre ela
e a prática, num vaivém permanente. Perry
Wilson, um estudante americano, tinha dificuldades medonhas em
Matemática. Tropeçou sucessivamente ao longo do curso, acabando vencido
no início do seu curso superior. Frustrado, foi aprender carpintaria,
para fazer casas. Como as casas daquele país são feitas pelo próprio
carpinteiro, incluindo muito trabalho com plantas e cálculos, logo
descobriu que a mesma Matemática que o havia maltratado era agora óbvia e
fácil. Impressionado com a descoberta,
criou um programa chamado "If I had a hammer", no qual os alunos
participantes constroem uma cabana de madeira no pátio da escola. Mas
como acontece com as casas de verdade, antes de serrar e pregar há muita
planta e muita conta para fazer, além de outros conhecimentos
requeridos. Surpresa! Em poucos dias, observa-se um substancial aumento
nas notas de Matemática dos alunos participantes. Cabe
uma advertência, pois não se trata de exumar a disciplina de "Trabalhos
Manuais", já desmoralizada pelo seu título rasteiro e pouco casando
pensamento e ação. No tempo limitado da escola, é preciso escolher
atividades em que haja uma interação feliz e fértil entre a mão e a
cabeça. Recortar figuras de revistas é manual, mas intelectualmente
pobre. Demonstrar um teorema é um exercício mental demasiado distante do
mundo das coisas. Mas o Teorema de Pitágoras pode ser aprendido na rua.
Por exemplo, como traçar no solo um ângulo reto, dispondo apenas de um
pedaço de barbante? A abstração é a culminância do desenvolvimento intelectual do homem. Mas a capacidade de operar na estratosfera das teorias não vem pronta de fábrica. De
fato, o aprendizado de teorias rarefeitas arrisca-se a virar pura
decoreba se não começar vendo, pegando e medindo. O tal "knowledge
worker", tão de moda, precisa ser educado no concreto e no real, depois é
que vem o descolamento progressivo do sensorial. As
atividades escolares deveriam ser escolhidas de forma a criar o máximo
de oportunidades de usar as mãos para aprender. Como, de uma forma ou de
outra, tais atividades vêm sendo feitas por incontáveis anos, não se
trata de inventar, mas de recuperar o melhor que já apareceu. O
que era uma percepção intuitiva de alguns hoje percebemos ser ciência
respeitável, demonstrando que a mão é inteligente e, portanto, é
utilíssima no aprendizado, tanto do prático como do teórico. Por que a
nossa escola insiste em refugiar-se nas brumas de um intelecto que
ignora a riqueza intelectual das mãos? Claudio de Moura Castro é economista e especialista em Educação. |
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