terça-feira, 22 de outubro de 2013

                                           

                                           
O JULGAMENTO NO AMENTI
Naquela tarde, havia caído uma pequena chuva e no campo molhado a neblina ganhava seu espaço.  Karito, havia saído para verificar as suas armadilhas para pegar pássaros. As margens do rio Nilo havia uma enorme variedade de pássaros.  Ele mal havia adentrado no bosque, quando notou algo diferente naquela manhã. Em uma clareira, havia como uma redoma onde a neblina era mais intensa, mas podia notar que havia movimentos  lá dentro. Ele se acercou mais da redoma e pode ver que lá dentro se processava um ritual. Havia uma espécie de esquife, onde estava deitado um homem. Ao redor desse esquife, havia uma figura inconfundível, conhecida de todos os egípcios, era o Deus Anúbis com a sua cabeça de chacal. Ele circundava com um incensário, espargindo uma densa  fumaça pelo ambiente.  Anúbis circundou o esquife por três vezes, parando no ocidente, aos pés do esquife. Um corpo de homem  ocupava o esquife.
Alguns momentos  após as voltas de Anúbis, o Deus Ba entrou voando no recinto, sobrevoando o morto em seu esquife. Ele sobrevoada do ocidente para o oriente, repetindo o nome do morto: Amsu!  Por três vezes ele sobrevoou o morto e por três vezes repetiu o seu nome.  Na terceira vez, o morto abriu os olhos. Ba seguiu voando e desapareceu no oriente. Anúbis retomava as suas funções junto ao corpo de Amsu.
Anúbis começou a proferir uma oração:
Saudamos a vós, Atum!
Saudamos a vós, aquele que torna a si mesmo!
Vós sois em vosso nome o altíssimo!
Vós tornais em vosso nome Khepri, aquele que se torna si mesmo!.
Antes mesmo de Anúbis concluir a oração, o Deus Atum se materializou do lado direito do esquife. Atum corria a sua mão espalmada sobre o corpo de Amsu, da cabeça aos pés. Dos dedos da sua mão saíam faíscas brancas, diáfanas, que penetravam pelo corpo de Amsu. Este processo parecia revigorar o corpo fazendo-o ganhar as cores da vida. Era possível perceber que aquele corpo estava vivo agora, mas ele permanecia impassível, estático. De repente seus olhos reviraram nas óbitas e ganhava o brilho dos vivos. Era um olhar assustado, temeroso. O olhar de quem não sabia onde estava e nem o que fazia naquele local. No entanto, a presença daqueles seres por demais conhecidos. Seres que ele sempre via mostrado em encenações religiosas e em estátuas. Agora estavam ali, em sua presença, isso só podia ter um significado: ele estava morto e agora tinha início o seu julgamento.
Karito,  estava surpreendido com tudo aquilo, se ele assistia uma cerimônia daquela era de se esperar que também estivesse morto. Se ele estava vivo, como podia presenciar fatos que se estavam além do véu de Ísis?
Ele não sabia, mas em certas circunstâncias algumas pessoas podiam passar por tais experiências. Todos os seres encarnados contam uma proteção, uma espécie de válvula que veda o acesso de entidades do mundo espiritual à nossa dimensão e também veda o acesso desta pessoa ao outro mundo dimensional. Isso as protege contra a influência de entidades do baixo astral, malévolas e vingativas. Esta proteção é chamada entre os hindus de Tela Búdica.  Em certas ocasiões, esta tela perde o seu efeito protetor, o que também ocorre com as pessoas que têm a mediunidade aflorada. A mediunidade é uma provação cármica. O médium, diferentemente das outras pessoas, tem que se manter em constante vigilância em função desta sua natureza.  Por alguma razão inexplicável, a Tela Búdica de Karito havia sofrido alguma transformação, e isto lhe dava acesso ao que se passava em  outra dimensão. 
Amsu não fora um homem temente aos Deuses, quando em vida. Era muito rico e poderoso e sua fortuna foi quase toda roubada dos mais fracos. Abusava sistematicamente do seu poder e afrontava a todos, em especial, àqueles menos afortunados. Sobre ele pairava suspeitas de crimes de toda espécie. Portanto, o julgamento que ali estava se processando não lhe iria trazer nenhum benefício. Pelo contrário, ele seria penalizado e condenado eternamente aos tormentos do Aahla. Aquele local onde processava o seu julgamento  era o Amenti, tão conhecido dos Egipcios. A parte seguinte iria envolver a presença de Osíris que presidiria o julgamento e daria a sentença final. Ele ainda não tinha entrado no Templo.
Anúbis começou a invocação de Osíris:
Eu te saúdo, Osíris, filho primogênito de Seb;
tu, o maior dos seis Deuses nascidos da Deusa Nu, a água primordial;
tu, o grande favorito do teu pai Ra;
Pai dos pais, Rei da Duração, Senhor da eternidade...
Que, tão logo aqueles que saíram do Seio da tua Mãe,
Reunistes todas as coroas e cingistes o Uraeus, a serpente,
Em tua cabeça;
Deus multiforme, cujo nome é desconhecido, e que tem muitos
Nomes nas cidades e nas províncias.”
A figura imponente do senhor dos Deuses, tomava forma no recinto e a sua divindade exuberante, assustou Karito. Este não conseguiu conter uma exclamação pela deslumbrante figura de Osíris. Este pequeno percalço foi o suficiente para fazer com que toda aquela fantástica assembleia se desvanecesse. Todo o cenário desapareceu, assim que os Deuses envolvidos naquele solene ritual, tomaram conhecimento de que estavam sendo espionados. A presença de um mortal assistindo ao ritual de julgamento de uma alma, jamais tinha acontecido em toda a história da humanidade. Karito também saiu em desabalada corrida até a sua casa. Não adiantava contar para ninguém o que vira, ninguém iria lhe dar crédito.
Essa situação incomum trazia sérias consequências para o mundo dos vivos. O Deus Atum reimpregnara em Amsu o seu atmã. Desta forma, Amsu estava morto e também vivo. O Cerimonial incompleto, fez com que os Deuses não concluíssem a sua tarefa, Amsu agora era um morto-vivo. Destarte, Amsu tinha agora o dom da invisibilidade, embora pudesse se materializar perante os vivos. Invisível, perdia quase totalmente a sua densidade, isso fazia com quê pudesse saltar as maiores alturas e descer flutuando até o solo. Ele virtualmente podia voar e se transportar de um lugar ao outro em extrema velocidade. Mas, o seu lado vivo precisava se alimentar para continuar existindo e esse alimento não era o nosso comum. Amsu precisava se alimentar da energia vital dos seres humanos para que continuar a sua estranha existência. Mas Karito nada sabia de tudo isso. Para ele tudo acabara ali, como o despertar de um sonho.
Aamâncio

(Beau Geste)