domingo, 31 de maio de 2009

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Poema da Mentira

Ainda sobre a fugacidade… para ser lido de cima para baixo e de baixo para cima.



Não te amo mais
Estarei mentindo dizendo que
Ainda te quero como sempre quis
Tenho certeza que
Nada foi em vão
Sinto dentro de mim que
Você não significa nada
Não poderia dizer mais que
Alimento um grande amor
Sinto cada vez mais que
Já te esqueci!
E jamais usarei a frase
Eu te amo!
Sinto, mas tenho que dizer a verdade
É tarde demais…

A autoria deste poema é atribuída muitas vezes a Clarice Lispector, mas aparentemente não há nenhuma informação oficial que confirme isso.

Retrato -

Cecília Meireles

Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.

Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.

Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

sábado, 30 de maio de 2009

Ainda há juízes no Brasil

O lugar de um cidadão, seja ele moleiro, seja senador, é definido em lei – não diante das câmeras
Em 1745, o todo-poderoso Frederico II, rei da Prússia, manda construir, em Potsdam, nos arredores de Berlim, o famoso castelo de Sans-Souci, que ficaria pronto dois anos depois. Déspota esclarecido, amigo de escritores e artistas, exerce atração sobre sábios de várias nacionalidades, especialmente franceses. Voltaire é um dos que freqüentam sua residência.

Um de seus áulicos, porém, mais arbitrário que o governante a quem serve, ainda que sem as mesmas luzes, quer espantar para longe da vizinhança um modesto moleiro para que o pequeno empresário e seu moinho não ofendam a bela paisagem que cerca a construção. O intendente tem a seu favor a lei informal, jamais promulgada, mas vigente em tais circunstâncias, que o político brasileiro Pedro Aleixo tanto temeu quando ousou imaginar o que faria com todos os poderes do Ato Institucional n.5, não o ditador ou seus ministros, mas o guarda da esquina.

Parodiando Camões, nessas horas uma nuvem que os ares escurece/sobre nossas cabeças aparece. E tão temerosa vinha e carregada/que pôs nos corações um grande medo. Dando a entender que fala em nome do rei, a autoridade vai fazendo propostas em cima de propostas para que o moleiro se mude dali, ensejando assim a destruição do moinho. Nenhuma delas surte o efeito desejado.

O intendente passa, então, às ameaças, que entretanto não assustam o proprietário cioso de seus direitos. A querela chega aos ouvidos de Frederico II e o monarca resolve conversar com aquele homem que lhe parece tão corajoso. Pergunta-lhe qual o motivo de ele não ter medo de ninguém, nem do rei. A resposta do moleiro foi resumida em frase que se tornou célebre, depois freqüentemente invocada em situações em que o Judiciário é chamado a limitar o poder dos governantes: “Ainda há juízes em Berlim”. Ele lutaria contra o rei na Justiça.

O moleiro continuou onde estava. O episódio passou à posteridade na versão do escritor francês François Andrieux, que escreveu em versos o conto “O Moleiro de Sans-Souci”, ainda que tenha concluído com melancolia: Respeita-se um moinho, mas rouba-se uma província.

Pois no Brasil, nos tempos que vivemos, algumas frases também haverão de se tornar célebres, resumindo momentos decisivos de nossa crônica política. “Confesso que menti”, do senador José Roberto Arruda, pode vir a ser uma delas. O senador poderia, quem sabe, escrever um livro cujo título seria essa sua frase, na linha de Confesso Que Vivi, de Pablo Neruda. Regina Borges, a ex-diretora do Prodasen, escreveria outro: “Confesso que obedeci”. Falta, porém, o livro de ninguém menos que o ex-presidente do Senado Antonio Carlos Magalhães, de quem seus inquisidores esperam que pronuncie a frase “Confesso que mandei”. Por enquanto, ele, exagerado em tudo, já pronunciou outra frase famosa: “Eu tenho a lista”. Depois negou e mudou-a para “Eu vi, mas rasguei a lista”.

No Congresso já foram cometidas injustiças que demoraram ou não puderam mais ser reparadas. No Judiciário é mais difícil ocorrer isso. Pode ser que culpados não sejam punidos, mas é quase impossível punir um inocente. Seria melhor que voltássemos ao óbvio: o lugar de julgar um cidadão, seja ele moleiro, seja senador, é definido em lei. E não é diante das câmeras. Pois ainda há juízes no Brasil.

Deonísio da Silva é escritor e professor universitário

quinta-feira, 28 de maio de 2009

A beleza acontece quando a eternidade toca o tempo. Rubem Alves

Felicidade é discreta,

silenciosa e frágil,

como a bolha de sabão.

Vai-se muito rápido, mas sempre

se podem assoprar outras.

Vai-se muito rápido, mas sempre

se podem assoprar outras.

Quem é rico em sonhos não envelhece nunca.

Pode até ser que

morra de repente.

Mas morrerá

em pleno vôo.

O que é muito bonito.

Mas morrerá

em pleno vôo.

O que é muito bonito.

Eternidade

é o tempo quando o longe fica perto.

Não quero nem subir para os céus,

nem progredir para frente.

Quero mesmo é voltar para os lugares e os tempos que amei e perdi.

A alma é o lugar da saudade.

A alma é o lugar da saudade.

Não quero nem subir para os céus,

nem progredir para frente.

Quero mesmo é voltar para os lugares e os tempos que amei e perdi.

Velhice é quando o rio se prepara

para converter-se em mar.

Para tudo há um tempo.

Mas Deus colocou o coração do homem para além do tempo, na eternidade.

Para tudo há um tempo.

Mas Deus colocou o coração do homem para além do tempo, na eternidade.

Seremos sábios quando nos tornarmos crianças:

essa é a essência da sabedoria bíblica.

Deus é alegria.

Uma criança é alegria.

Deus e uma criança têm isso em comum:

ambos sabem que o universo

é uma caixa de brinquedos.

Deus vê o mundo

com olhos de criança.

Está sempre à procura de companheiros

para brincar.

Eu poderia ter sido jardineiro...

Como não fui, tento fazer

jardinagem como educador,

ensinando às crianças,

minhas amigas, o encanto

pela natureza.

Eu poderia ter sido jardineiro...

Como não fui, tento fazer

jardinagem como educador,

ensinando às crianças,

minhas amigas, o encanto

pela natureza.

O jardim é a face divina da nostalgia que mora em nós.


Jardins bonitos

há muitos,

mas só traz alegria o jardim que nascer dentro da gente.

Otimismo é quando, sendo primavera do lado de fora,

nasce a primavera do lado de dentro.


Esperança é quando, sendo inverno do lado de fora,

a despeito dele brilha o Sol de verão no lado de dentro.

Já tive medo da morte.

Hoje não tenho mais.

O que sinto é uma

enorme tristeza.

Concordo com

Mario Quintana:

"Morrer, que

me importa? (...)

O diabo é

deixar de viver."

A vida é tão boa! Não quero ir embora...

A vida, para ser bela, deve estar cercada de verdade, de bondade, de liberdade

Essas são as coisas pelas quais

vale a pena morrer.


Verdade, Bondade, Liberdade...





Texto da apresentação:

Citações da obra

“O Melhor de Rubem Alves”,

Editora Nossa Cultura

quarta-feira, 27 de maio de 2009

MUTANTES

"Seja qual for o relacionamento que você atraiu para dentro de sua vida, numa determinada época, ele foi aquilo de que você precisava naquele momento"
Deepak Chopra




Somos as únicas criaturas na face da terra capazes de mudar nossa biologia pelo que pensamos e sentimos!
Nossas células estão constantemente bisbilhotando nossos pensamentos e sendo modificados por eles.
Um surto de depressão pode arrasar seu sistema imunológico; apaixonar-se, ao contrário, pode fortificá-lo tremendamente.

A alegria e a realização nos mantém saudáveis e prolongam a vida.
A recordação de uma situação estressante, que não passa de um fio de pensamento, libera o mesmo fluxo de hormônios destrutivos que o estresse.

Quem está deprimido por causa da perda de um emprego projeta tristeza por toda parte no corpo - a produção de neurotransmissores por parte do cérebro reduz-se, o nível de hormônios baixa, o ciclo de sono é interrompido, os receptores neuropeptiídicos na superfície externa das células da pele tornam-se distorcidos, as plaquetas sanguíneas ficam mais viscosas e mais propensas a formar grumos e até suas lágrimas contêm traços químicos diferentes das lagrimas de alegria.

Todo este perfil bioquímico será drasticamente alterado quando a pessoa encontra uma nova posição.
Isto reforça a grande necessidade de usar nossa consciência para criar os corpos que realmente desejamos.

A ansiedade por causa de um exame acaba passando, assim como a depressão por causa de um emprego perdido.

O processo de envelhecimento, contudo, tem que ser combatido a cada dia.
Shakespeare não estava sendo metafórico quando Próspero disse: "Nós somos feitos da mesma matéria dos sonhos."

Você quer saber como esta seu corpo hoje? Lembre-se do que pensou ontem
Quer saber como estará seu corpo amanhã? Olhe seus pensamentos hoje!

Ou você abre seu coração, ou algum cardiologista o fará por você!
DEEPAK CHOPRA

segunda-feira, 25 de maio de 2009

O encontro

Lygia Fagundes Telles

Em redor, o vasto campo. Mergulhado em névoa branda, o verde era pálido e opaco. Contra o céu, erguiam-se os negros penhascos tão retos que pareciam recortados a faca. Espetado na ponta da pedra mais alta, o sol espiava através de uma nuvem.

"Onde, meu Deus?! - perguntava a mim mesma - Onde vi esta mesma paisagem, numa tarde assim igual?"

Era a primeira vez que eu pisava naquele lugar. Nas minhas andanças pelas redondezas, jamais fora além do vale. Mas nesse dia, sem nenhum cansaço, transpus a colina e cheguei ao campo. Que calma! E que desolação. Tudo aquilo - disso estava bem certa - era completamente inédito para mim. Mas por que então o quadro se identificava, em todas as minúcias, a uma imagem semelhante lá nas profundezas de minha memória? Voltei-me para o bosque que se estendia à minha direita. Esse bosque eu também já conhecera com sua folhagem cor de brasa dentro de uma névoa dourada. “Já vi tudo isto, já vi... Mas onde? E quando?”

Fui andando em direção aos penhascos. Atravessei o campo. E cheguei à boca do abismo cavado entre as pedras.

Um vapor denso subia, como um hálito daquela garganta de cujo fundo insondável, vinha um remotíssimo som de água corrente. Àquele som eu também conhecia. Fechei os olhos. “Mas se nunca estive aqui! Sonhei, foi isso? Percorri em sonho estes lugares e agora os encontro, palpáveis, reais? Por uma dessas extraordinárias coincidências teria eu antecipado aquele passeio enquanto dormia?”

Sacudi a cabeça, não, a lembrança - tão antiga quanto viva - escapava da inconsistência de um simples sonho. Ainda uma vez fixei o olhar no campo enevoado, nos penhascos enxutos. A tarde estava silenciosa e quieta. Contudo, por detrás daquele silêncio, no fundo daquela quietude eu sentia qualquer coisa de sinistro. Voltei-me para o sol que sangrava como um olho empapando de vermelho a nuvenzinha que o cobria. Invadiu-me a obscura sensação de estar próxima de um perigo. Mas que perigo era esse e em que consistia?

Dirigi-me ao bosque. E se fugisse? Seria fácil fugir, não? Meu coração se apertou, inquieto. Fácil, sem dúvida, mas eu prosseguia implacável como se não restasse mesmo outra coisa a fazer senão avançar. “Vá-se embora depressa, depressa!” - a razão ordenava enquanto uma parte do meu ser, mergulhada numa espécie de encantamento, se recusava a voltar.

Uma luz dourada filtrava-se por entre a folhagem do bosque que parecia petrificado. Não havia a menor brisa soprando por entre as folhas enrijecidas, numa tensão de expectativa.

“A expectativa está só em mim” - pensei, triturando entre os dedos uma folha avermelhada. Veio-me então a certeza absoluta de já ter feito várias vezes esse gesto enquanto pisava naquele -mesmo chão que arfava sob os meus sapatos. Enveredei por entre as árvores. - “E nunca estive aqui, nunca estive aqui” - fui repetindo a aspirar o cheiro frio da terra. Encostei-me a um tronco e por entre uma nesga da folhagem vislumbrei o céu pálido. Era como se o visse pela última vez.

“A cilada” - pensei diante de uma teia que brilhava suspensa entre dois galhos. No centro, a aranha. Aproximei-me: era uma aranha ruiva e atenta, à espera. Sacudi violentamente o galho e desfiz a teia que pendeu em farrapos. Olhei em redor, assombrada. E a teia para a qual eu caminhava, quem? quem iria desfaze-la? Lembrei-me do sol, lúcido como a aranha. Então enfurnei as mãos nos bolsos, endureci os maxilares e segui pela vereda.

“Agora vou encontrar uma pedra fendida ao meio.” E cheguei a rir, entretida com aquele estranho jogo de reconhecimento: lá estava a grande pedra golpeada, com tufos de erva brotando na raiz da fenda. “Se for agora por este lado, vou encontrar um regato.” Apressei-me. O regato estava seco mas os pedregulhos limosos indicavam que provavelmente na próxima primavera a água voltaria a correr por ali.

Apanhei um pedregulho. Não, não estava sonhando. Nem podia ter sonhado, mas em que sonho podia caber uma paisagem tão minuciosa? Restava ainda uma hipótese: e se eu estivesse sendo sonhada? Perambulava pelo sonho de alguém, mais real do que se estivesse vivendo. Por que não? Daí o fato estranhíssimo de reconhecer todos os segredos do bosque, segredos que eram apenas do conhecimento da pessoa que me captara em seu sonho. “Faço parte de um sonho alheio” - disse e espetei um espinho no dedo. Gracejava mas a verdade é que crescia minha inquietação: “se for prisioneira de um sonho, agora escapo.” Uma gota de sangue escorreu pela minha mão, a dor tão real quanto a paisagem.

Um pássaro cruzou meu caminho num vôo tumultuado. O grito que soltou foi tão dolorido que cheguei a vacilar num desfalecimento, e se fugisse? E se fugisse? Voltei-me para o caminho percorrido, labirinto sem - esperança. “Agora é tarde!” - murmurei e minha voz avivou em mim um último impulso de fuga. “Por que tarde?”

A folha que resvalou pela minha cabeça era a seca advertência que colhi no ar e fechei na mão, que eu não buscasse esclarecer o mistério, que não pedisse explicações para o absurdo daquela tarde tão inocente na sua aparência. Tinha apenas que aceitar o inexplicável até que o nó se desatasse, na hora exata.
Enveredei por entre dois carvalhos. Ia de cabeça baixa, o coração pesado mas as passadas eram enérgicas, impelida por uma energia que não sabia de onde vinha. “Agora vou encontrar uma fonte. Sentada ao lado, está uma moça.”

Ao lado da fonte, estava a moça vestida com um estranho traje de amazona. Tinha no rosto muito branco uma expressão tão ansiosa que era evidente estar à espera de alguém. Ao ouvir meus passos, animou-se para cair em seguida no maior desalento.

Aproximei-me. Ela lançou-me um olhar desinteressado e cruzou as mãos no, regaço.

- Pensei que fosse outra pessoa, estou esperando uma pessoa...

Sentei-me numa pedra verde de musgo, olhando em silêncio seu traje completamente antiquado: vestia uma jaqueta de veludo preto e uma extravagante saia rodada que lhe chegava até a ponta das botinhas de amarrar. Emergindo da gola alta da jaqueta destacava-se a gravata de renda branca, presa com um broche de ouro em forma de bandolim. Atirado no chão, aos seus pés, o chapéu de veludo com uma pluma vermelha.

Fixei-me naquela fisionomia devastada. “Já vi esta moça, mas onde foi? E quando?...” Dirigi-me a ela sem o menor constrangimento, como se a conhecesse há muitos anos.

- Você mora aqui perto?
- Em Valburgo - respondeu sem levantar a cabeça.

Mergulhara tão profundamente nos próprios pensamentos, que parecia desligada de tudo, aceitando minha presença sem nenhuma surpresa, não notando sequer o disparatado contraste de nossas roupas. Devia ter chorado. E agora ali estava numa patética exaustão, as mãos abandonadas no regaço, alguns anéis de cabelo caindo pelo rosto. Nunca criatura alguma me pareceu tão desesperada, tão tranqüilamente desesperada, se é que cabia tranqüilidade no desespero. Perdera toda a esperança e decidira resignar-se. Mas sentia-se a fragilidade naquela resignação.

- Valburgo, Valburgo... - fiquei repetindo. O nome não me era desconhecido. E não me lembrava de nenhum lugar com esse nome em toda aquela região.

- Fica logo depois do vale. Não conhece Valburgo?
- Conheço - respondi prontamente. Tinha agora a certeza de que esse lugar não existia mais.

Com um gesto indiferente, ela tentou prender o cabelo que desabava do penteado alto. Afrouxou ansiosamente o laço da gravata, como se lhe faltasse o ar. O bandolim de ouro pendeu, repuxando a renda. “Esse broche... Mas já não vi esse mesmo broche nessa mesma gravata?!”

- Eu esperava uma pessoa - disse com esforço, voltando o olhar dolorido para o cavalo preso a um tronco.
- Gustavo?

Esse nome escapou-me com tamanha espontaneidade que me assustei, era como se estivesse sempre em minha boca, aguardando aquele instante para ser dito.

- Gustavo - repetiu ela e sua voz era um eco. Gustavo.

Encarei-a. Mas por que ele não tinha vindo? “E nem virá, nunca mais. Nunca mais.”

Fixei obstinadamente o olhar naquela desconcertante personagem de um antiquíssimo álbum de retratos. Álbum que eu já folheara muitas vezes, muitas. Pressentia agora um drama com cenas entremeadas de discussões tão violentas, lágrimas. A cena esboçou-se esfamadamente nas minhas raízes, cena que culminou naquela noite das vozes. exasperadas. De homens. De inimigos. Alguém fechou as janelas da pequena sala frouxamente iluminada por um candelabro. Procurei distinguir o que diziam quando através da vidraça embaçada vi delinear-se a figura de um velho magro, de sobrecasaca preta, batendo furiosamente a mão espalmada na mesa enquanto parecia dirigir-se a uma máscara de cera que flutuava na penumbra.

Moveu-se a máscara entrando na zona de luz. Gustavo! Era Gustavo. A mão do velho continuou batendo na mesa e eu não podia me despregar dessa mão tão familiar com suas veias azuis se enroscando umas nas outras numa rede de fúria. Nos punhos de renda de sua camisa destacavam-se com uma nitidez atrozos rubis de suas abotoaduras. Um dos homens avançou. Foi Gustavo? Ou o velho? A garrucha avançou também e a cena explodiu em, meio de um clarão. Antes do negrume total vi por último as -abotoaduras brilhando irregulares como gotas de sangue.

Senti o coração confranger-se de espanto, “quem foi que atirou, quem foi?!” Apertei os nós dos dedos contra os olhos. -Era quase insuportável a violência com que o sangue me golpeava as fontes.

- Você devia voltar para casa.
- Que casa? - perguntou ela abrindo as mãos.

Olhei para suas mãos. Subi o olhar até seu rosto e fiquei sem saber o que dizer: era parecidíssima com alguém que eu conhecia tanto.

- Por que não vai procurá-lo? - lembrei-me de perguntar. Mas não esperei resposta. A verdade é que ela também suspeitava de que estava tudo acabado.

Escurecia. Uma névoa roxa - e que eu não sabia se vinha do céu ou do chão - parecia envolvê-la numa aura. Achei-a impregnada da mesma falsa calmaria da paisagem.

-Vou-me embora - disse apanhando o chapéu.

Sua voz chegou-me aos ouvidos bastante próxima. Mas singularmente longínqua. Levantei-me. Nesse instante, soprou um vento gelado com tamanha força que me vi enrolada numa verdadeira nuvem de folhas secas e poeira. A ramaria vergou num descabelamento desatinado. Verguei também tapando a cara com as mãos. Quando consegui abrir os olhos ela já estava montada. O mesmo vento que despertara o bosque, com igual violência arrancou-a daque¬la apatia: palpitava em cima do cavalo tão elétrico quanto as folhas vermelhas rodopiando em redor. Espicaçado, o animal batia com os cascos nos pedregulhos, desgrenhado, indócil. Quis retê-la..

- Há ainda uma coisa!

Ela então voltou-se para mim. A pluma vermelha de seu chapéu debatia-se como uma labareda em meio da ventania. Seus olhos eram agora dois furos na face de um tom acinzentado de pedra.

- Há ainda uma coisa - repeti agarrando as rédeas do cavalo. Ela arrancou as rédeas das minhas mãos e chicoteou o cavalo. Recuei. Aquela chicotada atingiu em cheio o mistério. Desatou-se o nó na explosão da tempestade. Meus cabelos se eriçaram. Era comigo que ela se parecia! Aquele rosto era o meu.
- Eu fui você - balbuciei. - Num outro tempo eu fui você! - quis gritar e minha voz saiu despedaçada. Tão simples tudo, por que só agora entendi?... O bosque, a aranha, o bandolim de ouro pendendo da gravata, a pluma do chapéu, aquela pluma que minhas mãos tantas vezes alisaram... E Gustavo? Estremeci. Gustavo! A saleta esfumaçada, se fez nítida. Lembrei-me do que tinha acontecido. E do que ia acontecer.
- Não! - gritei, puxando de novo as rédeas. Um raio chicoteou o bosque com a mesma força com que ela chicoteou o cavalo. Ele empinou, imenso, negro, os olhos saltados, arrancando-se das minhas mãos. Estatelada, vi-o fugir por entre as árvores.

Fui atrás. O vento me cegava. Espinhos me esfrangalhavam a roupa. Mas eu corria, corria alucinadamente na tentativa de impedir o que já sabia inevitável. Guiava-me a pluma vermelha que ora desaparecia, ora ressurgia por entre as árvores, flamejante na escuridão. Por duas vezes senti o cavalo tão próximo que poderia tocá-lo se estendesse a mão. Depois o galope foi se apagando até ficar apenas o uivo do vento.
Assim que atingi o campo, desabei de joelhos. Um relâmpago estourou e por um segundo, por um brevíssimo segundo, consegui vislumbar ao longe a pluma debatendo-se ainda. Então gritei, gritei com todas as forças que me restavam. E tapei os ouvidos para não ouvir o eco de meu grito misturar-se ao ruído pedregoso de cavalo e cavaleira se despencando no abismo.

Ratos humanos

“Numa pequena constelação de genes, está concentrado o mistério da condição humana.”

Drauzio Varella

Mulheres e homens têm apenas 30 mil genes! A divulgação desse dado pelo Projeto Genoma foi um balde de água fria no orgulho humano: imaginávamos que fossem pelo menos 100 mil.
Se as moscas têm 13 mil genes, qualquer verme, 20 mil, um abacateiro, 25 mil, e os camundongos que caçamos nas ratoeiras 30 mil, para nós, 100 mil parecia estimativa razoável. Afinal, não foi culpa nossa havermos sido criados à imagem e semelhança de Deus.
A bem da verdade, já sabíamos que mais de 98% de nossos genes são idênticos aos dos chimpanzés. Mas chimpanzés são animais políticos que formam comunidades com culturas próprias, utilizam instrumentos rudimentares e matam seus semelhantes premeditadamente. São, por assim dizer, seres mais humanos.
Admitir, no entanto, que nosso genoma é formado pelo mesmo número de genes dos ratos e que somente 300 genes são responsáveis pelas diferenças entre nós e eles constitui humilhação inaceitável.
A visão antropocêntrica, segundo a qual a vida na Terra teria evoluído dos seres unicelulares para indivíduos cada vez mais complexos até chegar ao homem, é um mau entendimento das leis da natureza. No "ranking" evolucionário, não existe primeira posição. A prova é que as bactérias foram os primeiros habitantes do planeta e não só ainda estão por aí como representam mais da metade da biomassa terrestre, isto é, se somarmos o peso de cada uma, obteremos mais da metade da massa de todos os demais seres vivos somados, incluindo árvores e elefantes.
O Homo sapiens é simplesmente uma entre milhões de espécies. Nascemos há 5 milhões de anos, um segundo evolucionário comparado aos 4 bilhões de anos das bactérias. Não fizemos nenhuma falta à vida na Terra durante praticamente toda a existência dela e, se um dia formos extintos, nenhuma formiga, cigarra ou besouro chorará a nossa ausência. A evolução continuará seu caminho inexorável de competição e seleção natural, como ensinou Charles Darwin.
Na verdade, os números do Projeto Genoma são lógicos. Os seres vivos mantêm a quase totalidade de seus genes ocupados na execução das tarefas do dia-a-dia: respiração, circulação, movimentação, digestão, excreção e produção de energia, entre outras.
Muitos desses genes são tão essenciais ao trabalho doméstico que a evolução os preservou praticamente intactos de um ser vivo para outro. Vejam o caso do gene responsável pela ubiquitina.
A ubiquitina é uma proteína envolvida no maquinário celular, encarregada de cortar outras proteínas. Dentro da célula, essa é uma função importantíssima, porque as proteínas que ficaram velhas ou saíram defeituosas precisam ser destruídas para não atrapalhar o funcionamento celular. Outras têm que ser cortadas para permitir que ocorram determinadas reações inibidas por sua presença, da mesma forma que a tampa de um tanque precisa ser retirada para que escoe a água nele contida.
Se compararmos a ubiquitina de um fungo com a da mosca da banana, com a de um verme, com a de um sapo ou com a do homem, veremos que as moléculas são praticamente iguais (daí o nome para sugerir ubiquidade). A semelhança é tanta que os biólogos interessados no mecanismo de ação da ubiquitina não são obrigados a estudá-la no homem: podem fazê-lo num fungo e transpor os resultados para a fisiologia humana.
É provável que o ancestral comum aos fungos e aos homens, que viveu há 600 milhões de anos, tenha desenvolvido um método tão eficiente de cortar proteínas que se manteve intacto durante o processo evolutivo. Os descendentes desse ancestral incapazes de produzir ubiquitina não tiveram chance na competição e desapareceram.
Como o gene da ubiquitina, grande número de outros são compartilhados por todos os seres vivos, com diferenças mínimas. Estão geralmente ligados às funções essenciais à manutenção da vida na célula. Representam soluções tão econômicas para a execução das tarefas diárias que a evolução não conseguiu imaginar outras melhores. É como o caso da existência de dois olhos na cabeça, por exemplo, estratégia adotada por todos os animais dotados de visão.
Entender a razão pela qual temos 30 mil genes como os ratos é fácil: eles são mamíferos como nós e apresentam fisiologia tão semelhante à nossa que podem ser utilizados em experiências para entender o organismo humano. O que intriga na evolução não é a proximidade genética entre as espécies, mas os genes responsáveis pelas diferenças.
Se o que nos distingue dos ratos são mesmo 300 genes, as interações entre estes e o ambiente envolvem imensa complexidade biológica. É nessa pequena constelação de genes que está concentrado o mistério da condição humana.

sábado, 23 de maio de 2009

UM DIA

Um dia descobrimos que beijar uma
pessoa para esquecer outra
é bobagem.

Você só não esquece a outra
pessoa como pensa muito
mais nela....

Um dia percebemos que as
melhores provas de amor são
as mais simples...

Um dia percebemos que o
comum não nos atrai...

Um dia saberemos que ser
classificado como o "bonzinho"
não é bom...

Um dia perceberemos que a pessoa
que nunca te liga é a que mais
pensa em você...

Um dia saberemos a importância
da frase:
"Tu te tornas eternamente
responsável por aquilo que cativas..."

Um dia percebemos que somos
muito importantes para alguém,
mas não damos valor a isso...

Enfim... um dia descobrimos
que apesar de viver quase um século
esse tempo todo não é suficiente
para realizarmos todos os
nossos sonhos,

para beijarmos todas as bocas
que nos atraem, para dizer tudo
o que tem que ser dito
naquele momento.

Não existe hora certa para dizer o
que sentimos se quem estiver
te ouvindo não te compreender,
não te merecer...

O jeito é: ou nos conformamos com
a falta de algumas coisas na nossa
vida ou lutamos para realizar
todas as nossas loucuras...

Quem não compreende um olhar
tampouco compreenderá uma
longa explicação.

Mário Quintana

stand by me

Para viver um grande amor

Vinicius de Moraes

Para viver um grande amor, preciso é muita concentração e muito siso, muita seriedade e pouco riso - para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, mister é ser um homem de uma só mulher; pois ser de muitas, poxa! é de colher... - não tem nenhum valor.

Para viver um grande amor, primeiro é preciso sagrar-se cavalheiro e ser de sua dama por inteiro - seja lá como for. Há que fazer do corpo uma morada onde clausure-se a mulher amada e postar-se de fora com uma espada - para viver um grande amor.

Para viver um grande amor, vos digo, é preciso atenção como o "velho amigo", que porque é só vos quer sempre consigo para iludir o grande amor. É preciso muitíssimo cuidado com quem quer que não esteja apaixonado, pois quem não está, está sempre preparado pra chatear o grande amor.

Para viver um grande amor, na realidade, há que compenetrar-se da verdade de que não existe amor sem fieldade - para viver um grande amor. Pois quem trai seu amor por vanidade é um desconhecedor da liberdade, dessa imensa, indizível liberdade que traz um só amor.

Para viver um grande amor, il faut além de fiel, ser bem conhecedor de arte culinária e de judô - para viver um grande amor.

Para viver um grande amor perfeito, não basta ser apenas bom sujeito; é preciso também ter muito peito - peito de remador. É preciso olhar sempre a bem-amada como a sua primeira namorada e sua viúva também, amortalhada no seu finado amor.

É muito necessário ter em vista um crédito de rosas no florista - muito mais, muito mais que na modista! - para aprazer ao grande amor. Pois do que o grande amor quer saber mesmo, é de amor, é de amor, de amor a esmo; depois, um tutuzinho com torresmo conta ponto a favor...

Conta ponto saber fazer coisinhas: ovos mexidos, camarões, sopinhas, molhos, strogonoffs - comidinhas para depois do amor. E o que há de melhor que ir pra cozinha e preparar com amor uma galinha com uma rica, e gostosa, farofinha, para o seu grande amor?

Para viver um grande amor é muito, muito importante viver sempre junto e até ser, se possível, um só defunto - pra não morrer de dor. É preciso um cuidado permanente não só com o corpo mas também com a mente, pois qualquer "baixo" seu, a amada sente - e esfria um pouco o amor. Há que ser bem cortês sem cortesia; doce e conciliador sem covardia; saber ganhar dinheiro com poesia - para viver um grande amor.

É preciso saber tomar uísque (com o mau bebedor nunca se arrisque!) e ser impermeável ao diz-que-diz-que - que não quer nada com o amor.

Mas tudo isso não adianta nada, se nesta selva escura e desvairada não se souber achar a bem-amada - para viver um grande amor.

O paraíso que eu quero

O paraíso que eu quero
Não é aquele lugar de misticismo e almas raras
É feito de um pedaço da memória
E veias que abraçam o coração

É feito das coisas que amei
Do que eu segurei em minhas mãos
Daquilo que eu conheço, e ao meu abraço
Faz rir ou faz chorar

O paraíso que eu quero tem o silêncio das rolinhas
E o canto dos Jequitibás soletrando o vento
Tem a vitalidade dos bagres
E a humildade das baleias
Ainda o marimbondo de cócoras
E abelhas sorrindo

O paraíso que eu quero
É cheio de moças e aventais
E quando chegar a primavera
Os rapazes tecerão suas guirlandas
E todos rodopiarão na embriaguês das flores

O paraíso que eu quero
Não tem luxo e nem pobreza
O espírito a tudo conduz
Com ares de nobreza

O paraíso que eu quero
Há de ter um pouco de tristeza e agonia
Eu preciso confessar meus pecados
E celebrar uma poesia

O paraíso que eu quero tem cheiro de mulher grávida
Olhos de mulher grávida, passos de mulher grávida
É grávido e eternamente grávido
Germinando as coisas sagradas

O paraíso que eu quero é feito de gente
Gente, multiplicada por gente
Tocadores de flautas e batuqueiros
Em busca de eterna harmonia
Aos olhos atentos de Deus.


Joao das Flores

Esta obra está licenciada sob uma Licença Creative Commons. Você pode copiar, distribuir, exibir, executar, desde que seja dado crédito ao autor original. Você não pode fazer uso comercial desta obra. Você não pode criar obras derivadas.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A Mulher Madura

Affonso Romano de Sant'Anna


O rosto da mulher madura entrou na moldura de meus olhos.

De repente, a surpreendo num banco olhando de soslaio, aguardando sua vez no balcão. Outras vezes ela passa por mim na rua entre os camelôs. Vezes outras a entrevejo no espelho de uma joalheria. A mulher madura, com seu rosto denso esculpido como o de uma atriz grega, tem qualquer coisa de Melina Mercouri ou de Anouke Aimé.

Há uma serenidade nos seus gestos, longe dos desperdícios da adolescência, quando se esbanjam pernas, braços e bocas ruidosamente. A adolescente não sabe ainda os limites de seu corpo e vai florescendo estabanada. É como um nadador principiante, faz muito barulho, joga muita água para os lados. Enfim, desborda.

A mulher madura nada no tempo e flui com a serenidade de um peixe. O silêncio em torno de seus gestos tem algo do repouso da garça sobre o lago. Seu olhar sobre os objetos não é de gula ou de concupiscência. Seus olhos não violam as coisas, mas as envolvem ternamente. Sabem a distância entre seu corpo e o mundo.

A mulher madura é assim: tem algo de orquídea que brota exclusiva de um tronco, inteira. Não é um canteiro de margaridas jovens tagarelando nas manhãs.

A adolescente, com o brilho de seus cabelos, com essa irradiação que vem dos dentes e dos olhos, nos extasia. Mas a mulher madura tem um som de adágio em suas formas. E até no gozo ela soa com a profundidade de um violoncelo e a sutileza de um oboé sobre a campina do leito.

A boca da mulher madura tem uma indizível sabedoria. Ela chorou na madrugada e abriu-se em opaco espanto. Ela conheceu a traição e ela mesma saiu sozinha para se deixar invadir pela dimensão de outros corpos. Por isto as suas mãos são líricas no drama e repõem no seu corpo um aprendizado da macia paina de setembro e abril.

O corpo da mulher madura é um corpo que já tem história. Inscrições se fizeram em sua superfície. Seu corpo não é como na adolescência uma pura e agreste possibilidade. Ela conhece seus mecanismos, apalpa suas mensagens, decodifica as ameaças numa intimidade respeitosa.

Sei que falo de uma certa mulher madura localizada numa classe social, e os mais politizados têm que ter condescendência e me entender. A maturidade também vem à mulher pobre, mas vem com tal violência que o verde se perverte e sobre os casebres e corpos tudo se reveste de uma marrom tristeza.

Na verdade, talvez a mulher madura não se saiba assim inteira ante seu olho interior. Talvez a sua aura se inscreva melhor no olho exterior, que a maturidade é também algo que o outro nos confere, complementarmente. Maturidade é essa coisa dupla: um jogo de espelhos revelador.

Cada idade tem seu esplendor. É um equívoco pensá-lo apenas como um relâmpago de juventude, um brilho de raquetes e pernas sobre as praias do tempo. Cada idade tem seu brilho e é preciso que cada um descubra o fulgor do próprio corpo.

A mulher madura está pronta para algo definitivo.

Merece, por exemplo, sentar-se naquela praça de Siena à tarde acompanhando com o complacente olhar o vôo das andorinhas e as crianças a brincar. A mulher madura tem esse ar de que, enfim, está pronta para ir à Grécia. Descolou-se da superfície das coisas. Merece profundidades. Por isto, pode-se dizer que a mulher madura não ostenta jóias. As jóias brotaram de seu tronco, incorporaram-se naturalmente ao seu rosto, como se fossem prendas do tempo.

A mulher madura é um ser luminoso é repousante às quatro horas da tarde, quando as sereias se banham e saem discretamente perfumadas com seus filhos pelos parques do dia. Pena que seu marido não note, perdido que está nos escritórios e mesquinhas ações nos múltiplos mercados dos gestos. Ele não sabe, mas deveria voltar para casa tão maduro quanto Yves Montand e Paul Newman, quando nos seus filmes.

Sobretudo, o primeiro namorado ou o primeiro marido não sabem o que perderam em não esperá-la madurar. Ali está uma mulher madura, mais que nunca pronta para quem a souber amar.

(15.9.85)

quarta-feira, 20 de maio de 2009

CARNAVAL OU ANIVERSÁRIO?

o estado de s. paulo


1998



Para quase todo mundo, ontem foi terça-feira de carnaval. 11 de fevereiro. Se você for olhar naquelas folhinhas antigas, vai descobrir também que é o dia de Nossa Senhora de Lourdes, a francesa.

Como se não bastasse isso, é o dia do meu aniversário. Sou devoto da virgem e do carnaval. Tive até uma micro-empresa chamada Nossa Senhora de Lourdes Produções Artísticas Ltda, que foi fechada há alguns anos pois sempre que eu ligava para o Banco e perguntava: "depositaram algum dinheiro para a Nossa Senhora de Lourdes?", invariavelmente batiam o telefone na minha cara (ou ouvido).

Quase sempre o meu aniversário cai num dos dias de carnaval. Me lembro que quando fiz 40 anos comprei quatro mesas no Clube Pinheiros e levei os mais chegados. Meus filhos, ainda pequenos, estavam na praia, me ligaram para cumprimentar e perguntaram como eu iria comemorar. Contei das mesas que tinha comprado no Pinheiros. Dias depois, ao voltarem, invadiram o meu apartamento correndo a procurar alguma coisa.

- O que vocês estão procurando?

- As mesas que você comprou no Clube Pinheiros!

Tóim!

Nunca consegui, nos meus aniversários, ouvir as músicas que eu queria. Eram sempre de carnaval. Fora aqueles amigos tarados que ligam a televisão para ver os desfiles e não dão a menor bola para o aniversariante.

E tem aqueles pentelhos que levam confete e serpentina para a sua casa. Acordar no dia seguinte é péssimo. Tem confete até dentro da orelha e serpentina no lugar do papel higiênico.

E não adianta fugir para a praia ou a montanha. O carnaval é geral. Campos do Jordão também tem Escola de Samba e a praia fica insuportavelmente insuportável.

Neste ano não foi uma boa idéia fazer 51 anos ontem. Estou escrevendo esta crônica ainda com 50, mas o barulho da festa já chegou na janela do meu quarto. Só tomando uma cachacinha mesmo.

E, desde pequenininho, ouço sempre a mesma momística desculpa:

- Olha, não deu para comprar uma lembrancinha. Sabe como é, tá tudo fechado.

No que eu retruco:

- Tive o mesmo problema. Estou com pouco uísque e salgadinhos, nem pensar!

Por essas e por outras é que o meu aniversário é sempre uma grande festa. A maior festa do País.

Como diria o Moacir Franco:

- "Ei, você aí, me dá um dinheiro aí.

Não vai dar, não vai dar não?

Você vai ver a grande confusão

Que eu vou fazer bebendo até cair."

PS - só espero que ontem eu não tenha caído.

domingo, 17 de maio de 2009

Adeus Lule e Sherazai

Escutei a campainha. Duas vezes. Está bem. A curiosidade é maior do que a preguiça. Lule e Sherazai já foram correndo ver quem é. Eu vou devagar, no meu ritmo mesmo. Até porque já sei que é mais um comprador que vai chegar, olhar para o nosso “focinho”, dizer um “ele é lindinho, mas não vou ficar com ele não...” e ir embora. No máximo, vai se interessar por Lule ou por Sherazai, que ficam se exibindo de todas as formas: rolam pelo chão, pulam em cima das crianças, colocam laçinhos coloridos nas orelhas etc. Eu não faço nada disso. Nunca fiz. Acho que, para ser minha mãe e meu pai, eles têm que gostar de mim assim, do jeitinho que eu sou.

Já dá para ver daqui. É um casal do tipo “arrumadinho”. Desses que parecem certinhos e que estão à procura de um bichinho de estimação para alegrar a vida das filhas. Digo filhas porque já vi as duas figuras. Tem uma maior e uma menorzinha, mas ninguém nega que são irmãs. Daqui de onde estou vendo, elas são meio tímidas. A maior está bem afastada de Lule e Sherazai. Não está com nenhuma cara de quem vai ficar com uma delas. Vou chegar mais perto para ouvir o que estão falando:

- Sabe como é Dona Mirtes, minhas filhas estão numa fase em que acho importante conviverem com um animal de estimação, falou o pai. A mais velha tem muito medo desde pequena, já tentamos de tudo... Terapia, psicóloga, comprar outros cachorros etc., nada funcionou!

Não sou muito sentimental não, mas, de alguma forma, a cara de desespero daquele pai me tocou. Enchi o peito de ar, coloquei o melhor sorriso que pude no rosto e resolvi aparecer por lá também. Quando ia me aproximando, a mãe me deu “um balde de água fria”:

- Gostei muito desta pretinha, a Lule. Bom mesmo porque eu queria uma fêmea. Se as meninas quiserem, podemos ficar com ela!

- Olha esta outra. Não tinha visto. Qual o nome dela?, perguntou a filha mais nova quando cheguei na varanda onde estavam.

- Não é esta. É este. O nome dele é Joca. Tem apenas um mês, por isso ainda é meio desengonçadinho. Mas sua mãe já disse que prefere fêmeas. E de cores mais escuras porque sujam menos. Por que não escolhe entre Lule e Sherazai?, disse Dona Mirtes à menina.

Esta velha rabugenta está louca para se ver livre das meninas porque elas aprontam todas. Mas parece que, finalmente, a sorte resolveu sorrir para mim. A mais velha, que até agora estava escondida atrás da mãe, veio em minha direção e fez um cafuné meio desconfiado na minha cabeça. Depois olhou para mim e, como se já me conhecesse, abriu um sorriso:

- Que bonitinho! Parece uma bolinha de algodão...

- Nada de machos, disse a mãe. Eles dão muito trabalho quando estão no cio. Além disso, fazem xixi pela casa toda. Se não querem uma das fêmeas, vamos embora.

Aquela cena foi um tanto quanto ridícula, mas confesso que fiquei feliz: as duas irmãs, que usavam “marias-chiquinhas” com uns laços enormes, abriram a boca a chorar ao mesmo tempo, dizendo que queriam ficar comigo.

Minutos depois, estava eu, dentro do carro daquela família. Me colocaram sentado no banco de trás entre as duas irmãs e estavam discutindo o meu novo nome. Escolheram Binho porque foi o nome de um cachorro que o pai tinha tido quando criança. Não gostei nem desgostei. Achei estranho mudar de nome. Mas tudo bem. Vida nova, nome novo.

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*Ariane Bomgosto é escritora.

MILÍCIAS BRASILEIRAS & DESORDEM PÚBLICA

As milhares de fotos e reportagens publicadas pela mídia sobre as milícias do MST, MLST, MAB, Via Campesina etc, alertam e comprovam que grupos divisionistas estão se fortalecendo, no Brasil, com evidente propósito de desmontar e destruir a ordem democrática reconquistada, a duras penas, pelo voto popular.

Portando bandeiras cuja cor vermelha procura sinalizar a seus opositores até que ponto os membros de tais facções estão dispostos a chegar para atingir seus reais objetivos, não mais se preocupam em disfarçar a existência de um braço armado inserido na pregação de um modelo ultrapassado de reforma agrária cuja digital tem origem no início do século passado e que só continua existindo, no Brasil, pela postura revanchista de uma minoria de radicais.

Uniformizados, proferindo envelhecidas palavras de ordem, fazendo uso de invejável apoio logístico e caricaturados de trabalhadores descamisados, embora brandindo facões, foices e enxadas como se fuzis fossem (pelo andar da carruagem a troca do equipamento é apenas uma questão de tempo e financiamento), têm partido para o ataque em todo o território nacional através de saques, depredações, destruição e invasões de órgãos governamentais, empresas, centros de pesquisas, propriedades públicas e privadas, bloqueios de rodovias, ferrovias, avenidas, praças, ruas...

Agredindo outros trabalhadores, sequestrando e mantendo pessoas em cárceres privados e, atualmente, também partindo para assassinatos, tais bandos estão convictos de suas respectivas impunidades já que recebem, inclusive, substantivos repasses de recursos arrecadados através de impostos, muito embora não divulguem, amplamente, à sociedade que lhes financia, compulsoriamente, o número de seus CNPJ, se é que os possuem.

Ai daqueles que ao tentarem defender suas propriedades, familiares e empregados, cometam o desatino de enfrentá-los com armas de qualquer tipo, pois essas só eles, os invasores, podem portar.

Os contribuintes-vítimas, caso insistam em reagir aos já corriqueiros ataques criminosos, serão presos e processados por atrapalharem a desordem pública e a consolidação de um processo de convulsão social que se encontra em pleno andamento.

Seria interessante que tais milicianos fossem deitar suas falações em Cuba, país que, freqüentemente, citam como exemplo de autêntica democracia popular, para sentirem "no lombo", a resposta que levariam da nova ordem que lá se instalou e que pretende passar o apagador na antiga retórica campesina, em face dos seguidos fracassos alcançados na produtividade agrícola.

Quem sabe se contratando competentes técnicos brasileiros, os mesmos que têm sido atacados e desmoralizados, rotineiramente, pelos falsos movimentos sociais tupiniquins, o país do Caribe não venha a se tornar um grande celeiro para o seu povo?

Verdade seja dita, nem tudo dos velhos tempos continua sendo mantido. Cito, como exemplo, as caricatas barbas guerrilheiras mantidas, por décadas, pelos líderes de tais milícias, numa tentativa de associá-los, por semelhança, a seus venerados ídolos marxistas. Procedimento este, em nada diferente daquele adotado nos anos 30, em relação ao ridículo bigodinho usado por um tresloucado e famigerado ditador nazista. A única diferença entre tais discípulos sempre foi o lado da mesa que escolhiam para sentar.

No caso brasileiro, em face do grande espaço alcançado na mídia pelo episódio do "Mensalão", a esmagadora maioria dos companheiros locais tratou de cortá-las, definitivamente, para evitar constrangimentos fotográficos que os associassem a conhecidos personagens políticos indiciados naquele episódio, hoje, igualmente, ex-barbudinhos.

Tenho a firme convicção de que caso esses corriqueiros atos criminosos, acima citados, não sejam eliminados da cena brasileira, o quanto antes, nós, autores de textos críticos sobre o tema, seremos julgados, em futuro próximo, por tribunais revolucionários presididos por bem organizados candidatos ao cargo de Comissários do Povo.

Finalizo com a pergunta que não quer calar:

"Afinal, a quem interessa a existência desses organizados pelotões da desordem pública?"

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*Augusto Acioli é economista.

O PREÇO DO CRESCIMENTO

Quando o bebê chega ao mundo, até que a recepção a ele, na maioria dos casos, é fantástica! Quando experimenta crescer e fazer gracinhas, consideradas pelos outros como impróprias para sua faixa etária, aí começam as críticas. O crescimento começa a doer muito cedo... Se for espertinho, logo, logo, o bebê vira moleque. Quando vai para a escola maternal, começa a ser chamado de aluno e como tal, o “avaliam” o tempo todo. Lá tem coleguinhas... e os coleguinhas disputam entre si quem é o seu melhor amigo. Quantos amigos!

O tempo passa e o jovem se enche de amigos. À medida que transcorrem as mutações da vida, amigos se afastam, porque se transferem para outros lugares. Uns se desinteressam pela relação, porque, “quem diria: o tal, antes tão simples, agora só tira um notão”. Muitos somem, devido à mudança de classe social. “Nem parece aquele que conheci”.A solidão pelo crescimento é sorrateira, não é de uma hora para a outra.

Até ser chamado de adulto, o ser humano já amargou, a duras penas, o processo de ser alguém, de alcançar êxito em algum projeto e, se for bonito, coitado, sabe o que é ser discriminado pelo isolamento do fechadíssimo “clube dos belos sofredores”. O “feíssimo” também sabe o preço. Não é barato crescer, ser diferente, marcar presença, brilhar.

Certa vez, uma jovem exclamou: “Como as pessoas são solidárias, como elas socorrem aos que precisam... tenho uma vizinha com uma perna só que é super protegida pelos seus amigos”. Então a pessoa que estava ao seu lado disse, em tom de desabafo:

- Experimenta ter duas pernas.

Existe um pensamento muito bonito que diz:

“Se você trata uma pessoa como você imagina que ela é, ela se torna pior do que é. Se você trata uma pessoa como você gostaria que ela fosse, ela se torna melhor do que é”.

O ser humano julga e é julgado o tempo todo. A inveja, sobretudo, interfere profundamente na avaliação. Na ânsia de se representar melhor, todos os recursos são amplamente usados. Uns até convencem, outros revelam as contradições e as artimanhas do humano.

Conta a tradição grega que o filosofo Aristipo, querendo demonstrar sua sabedoria e modéstia, vestiu-se com uma velha túnica cheia de remendos e furos. Empunhou o báculo da filosofia e foi-se pelas ruas de Atenas. Quando Sócrates o viu chegar em sua casa, exclamou:

- Ó, Aristipo! Vê-se a tua vaidade através dos furos de tua roupa!

Você conhece alguém que finge estar cochilando, só para tentar desestruturar o outro, quando ouve uma conferência que imagina não ser capaz de fazer igual? O invejoso não tem autoconsciência, automotivação, auto-estima, mobilizados. Ele não sabe que pode muito mais e subestima seu potencial.

E aquele que finge ignorar a ascensão do outro? Ao apresentar a pessoa nunca a designa com seu título maior, sempre a menospreza e tenta diminuir-lhe o status.

Inveja é uma doença, uma disfunção cerebral e não tem cura, mas um tratamento pode reduzir a ação do mais perigoso vírus destruidor do cérebro humano.

Conta a lenda que a inveja e a ganância iam andando de mãos dadas, de repente, chutaram uma lâmpada maravilhosa e de lá pulou um gênio. Muito feliz, ele disse:

- Podem pedir tudo o que sonharem que lhes darei. Antes, respondam: quem nasceu primeiro a inveja ou a ganância?

A inveja convenceu que ela nasceu primeiro!

-Tudo bem, disse o gênio, pense bem, inveja, o que você pedir, darei em dobro para a ganância.
A inveja pensou, pensou e pediu: Fure um olho meu!

Aos dois anos, a criança já sofre com inveja do outro. Se não tiver a mãe, uma professora, alguém enfim que possa orientá-la, ensinar mesmo como controlar esse vírus que pode atacar as emoções, a carga torna-se pesadíssima, um grande transtorno, porque quem mais sofre é o invejoso. A Bíblia diz: ”A inveja é a podridão dos ossos”. (Pv 14:30).

Era uma vez uma linda árvore que pensava. E pensava muito. Um dia, funcionários da prefeitura a encontraram num lugar inexpressivo, carregada de flores, e logo a transportaram para o jardim mais importante da cidade. Colocaram-na no meio da praça! Entusiasmada, ela agigantou-se, cresceu mais e produziu mais flores.

Certa vez, fiscais da prefeitura passaram por lá e viram seus belos galhos por cima dos fios de eletricidade, então mandaram podá-la. A árvore ficou triste e pensou: “Não cresço mais deste lado.” Depois de algum tempo, passou de novo a fiscalização e achou que a árvore crescera de modo desproporcional: mandou podá-la do outro lado. Muito triste, a árvore pensou: “Não cresço mais deste lado também”. E começou a crescer só para cima.

Não demorou muito e a fiscalização olhou para aquela árvore comprida... sem graça, e tomou providências: mandaram podá-la novamente. Revoltada, a árvore resolveu parar de crescer para qualquer lado.

O tempo passava e a árvore não quis mais crescer para lado nenhum. Então os ficais resolveram cortá-la, definitivamente, e plantar outra em seu lugar.

Moral da história: As pessoas vão lhe cortar sempre, principalmente, se a sua árvore da vida produzir flores e frutos; mas nunca desista de crescer...

“O desejo cumprido é árvore de vida”. (Pv 13:12).

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*Ivone Boechat é Mestre em Educação e PhD em Psicologia da Educação pela Wisconsin International University, nos EUA

quinta-feira, 14 de maio de 2009

Eu estou consciente e tenho o poder de pensar como eu quero. Tenho o direito de pensar no que eu quero para o meu próprio bem. Eu tenho e posso impor ao meu mundo interior tudo aquilo que eu quiser. E quero me sintonizar com o melhor. Esqueço, a partir de agora, a pessoa que eu fui, sobretudo meus vícios de pensamentos. Penso apenas na paz. Penso nela, permitindo que seu perfume toque minha aura e atinja todas as áreas da minha vida, todos os cantos do meu corpo. Penso na paz com uma mensagem de ordem e equilíbrio perfeito.

Deixo fluir na minha cabeça a consciência do 'eu posso'. Eu posso estar na paz. Impor essa paz é praticar o meu poder pessoal com responsabilidade divina, obtida por herança natural. O melhor para mim é um grande sorriso no peito. É a felicidade barata e fácil a que tenho direito. É tão simples pensar que o melhor está em mim! A beleza está em mim. A suavidade está em mim. A ternura, o calor, a lucidez e o esplendor das mais belas formas do universo estão em mim. Aí eu me abro inteira, viro do avesso e sinto que não há fronteiras nem barreiras para mim. Sinto que o limite é apenas uma impressão. Sinto que cada condição foi apenas a insistência de uma posição. Sinto que sou livre para deixar trocar qualquer posição por outra melhor. Sou livre para descartar qualquer pensamento ruim, qualquer sentimento ou hábito negativo, qualquer paixão dolorosa. Porque eu sou espírito. Sou luz da vida em forma de pessoa.

Ah, universo, eu estou aberta para o melhor para mim. Eu sei que muitas vezes sou levada por uma série de pensamentos ruins. Mas é porque eu não conhecia a força da perfeição. Eu não conhecia a lei do melhor. Agora eu me entrego, me comprometo comigo, com o universo e contigo. Vou manter a minha mente aberta. Esse momento me desperta, me traz a inspiração ao longo do dia onde se efetiva a luz que irradia para quem insiste no próprio aperfeiçoamento.

Não quero pensar nas minhas fraquezas. Quero olhar bem fundo nos meus olhos e ver como eu sou bonita, como fiz e faço coisas maravilhosas e como o meu peito está cheio de vontade. Eu assumo a responsabilidade sobre essas vontades e me projeto com força nessa identidade de saber que eu posso, sim, fazer o melhor. Despertar o meu espírito é viver nele. É ter a satisfação de ser eu mesma. É poder ser original, única, pequena e grande ao mesmo tempo. Sei agora que o melhor está a meu favor. Meu sucesso, aliás, é o sucesso de Deus que se manifesta em mim como pessoa em transformação. Eu sinto como se tivesse sentado nessa cadeira da solidez universal porque eu estou no meu melhor. Porque sou o sucesso da eternidade, porque estou há milhares de anos seguindo e não fui destruída. Porque o universo garante. Grito dentro de mim mesma: de todas as coisas da vida, o melhor ainda sou eu. O melhor sou eu!
Luiz Gasparetto

quarta-feira, 13 de maio de 2009

O passarinho do Formiga de Chico Buarque

ISTOÉ 1998


Éramos três do Estadão lá em Paris, sem contar o meu querido Reali Jr: o Chico Buarque, o Mateus Shirts e eu. Os três, cronicando. Para evitar que a gente escrevesse a mesma coisa, driblasse o mesmo tema, trocávamos fax (o compositor é contra e-mail).

No primeiro sábado, antes de sair a primeira dominical do Chico, chega o fax: "Com Os Meus Botões". Um poema, como me diria depois o flamenguista Aluizio Maranhão, nosso redator-chefe. Realmente um poema. Em Paris, entre os colegas jornalistas, não se falava noutra coisa.

Leio orgulhoso. Afinal, fui eu quem convenceu o poeta a escrever crônicas na copa. Tinha certeza que ia dar samba. A crônica falava dos times de botão do Chico e dos que todos nós tínhamos nos anos 50 e 60, pedaços de plásticos concentrados dentro de uma caixa de catupiri, com direito a talco e flanelinha. E todos botões tinham nome, é claro. Mas tinha um pedaço na crônica:

"Certa vez fui apresentado a um antigo centromédio do Santos, o Formiga. Depois de um breve diálogo, o assunto esgotado, sem saber por que continuei a encará-lo. O silêncio se prolongava, incômodo, e ainda encasquestei de colocar a mão no ombro do Formiga. Com o polegar, comecei a pressionar de leve a sua clavícula, e me lembro que ele ficou um pouco vermelho. Então me dei conta de que, pela primeira vez na vida, conversava pessoalmente com um botão".

Muito bonito. Só que eu gritei:

- Passarinho! Isso é passarinho do Chico!

- O quê que é passarinho?, me perguntou o Mateus abrindo uma garrafa de uísque com os dentes.

- O dedão na clavícula é passarinho!!!

Deixa eu explicar o que é um passarinho. Em 54, o Nelson Rodrigues escreveu uma crônica (acho que na Última Hora) dizendo que a imprensa estava muito chata por falta de passarinhos. E explicava que antigamente era diferente. Que hoje (54) não se mentia mais. Uma vez houve um incêndio na Lapa, mandaram um repórter para lá e reservaram a primeira página. O repórter voltou desanimado: apagaram o incêndio com um regador de jardim. Mas não aconteceu nada que dê notícias? Bem, disse o reporter, tinha um passarinho dentro de uma gaiola muito nervoso. Foi o bastante: "Fogo Ameaça Fauna na Lapa".

Era isso: o Nelson estava dizendo que os jornsliatas brasileiros não mais aumentavam a notícia, não criavam nenhum passarinho. E nas nossas conversas inter-cronistas a palavra passarinho é muito corriqueira. Eu, por exemplo, me considero um passarinheiro de marca maior.

Então, pra mim, o dedão na clavícula do Formiga era passarinho. Estava na cara que era. Basta conhecer um pouquinho o Chico. Aliás, um bom, um excelente passarinho. Mas, passarinho.

Passo um fax para a casa do Chico lá em Marais. Não deu dois minutos, toca o telefone. Era ele. Indignado. Não fala oi, nem nada. Raivoso, atacando e se defendendo ao mesmo tempo, parecia a seleção da Nigéria em seus desengonçados momentos de glória. Ele estava mesmo bravo comigo:

- O dedão na clavícula é passarinho? O dedão na clavícula do Formiga é passarinho?

Nunca tinha visto o cara assim. Dei até um passo atrás lá no meu quarto. Fiquei sem jeito. Achei que eu tinha pegado pesado com ele. Afinal, a primeira crônica dele e eu dizendo que o dedão na clavícula era passarinho? Mas fiquei na minha:

- Desculpa lá, mas é. Você vai me desculpar muito, tá tudo muito bom, muito bonito mesmo, um poema e não sei mais o que. Até você ficar sem palavras olhando para a cara do Formiga, tudo bem. Colocar a mão no ombro, tudo bem. Mas jogar botão com a clavícula do Formiga, pra mim é passarinho. Um excelente passarinho, diga-se de passagem.

- Você acha mesmo que o dedão na clavícula do Formiga é passarinho?

Eu achava mesmo:

- Acho!

Ele abre uma risada contagiante e mal consegue dizer, triunfal:

- Cara, eu nunca vi o Formiga na minha vida!!!

Cânticos Devocionais - "bhajans"

Área de Devoção


Nosso principal objetivo na busca espiritual é perceber a Eterna Unidade entre Deus e o indivíduo, libertando-nos do sentimento de separatividade que faz com que nos sintamos limitados e infelizes. E é na obtenção destas qualidades que o canto devocional é um poderoso aliado, pois ele tem o poder de acalmar nossa mente, fazendo com que ela se volte para o Divino.

Através da música e da repetição dos nomes de Deus - somada à apreciação de Sua presença - a mente alcança a tranqüilidade necessária, passando a apreciar os fatos com objetividade. Além disso, o canto devocional tem o poder de limpar a atmosfera do planeta de energias negativas, o que transforma o ato de cantar num serviço muito importante, que deve ser prestado por todos nós, nos dias de hoje.

Ao cantar o Nome de Deus, recarregamos nossas baterias e ajudamos a purificar a atmosfera espiritual do planeta. Mas este serviço no plano sutil não é suficiente: a energia absorvida nos bhajans deve ser usada para prestar serviço.

Para as pessoas que não acreditam no poder dos bhajans, Baba diz:

"Algumas pessoas podem achar graça dos bhajans (canções devocionais), chamá-los de um mero show de exibição e recomendar, ao invés, a meditação quieta, no recesso silencioso do templo. Mas a reunião ou companhia de muitos, cantando, ajuda a remover o egoísmo."

"... Na verdade, cantar o nome de Deus em grupo afasta vocês de pensamentos dispersivos, os mesmos que invadem suas cabeças quando vocês cantam sozinhos. Por isso, cantem alto a glória de Deus e saturem a atmosfera com adoração divina."

"... Não se engajem no Nama Sankirtana (canto do Nome de Deus em grupo) como um passatempo, modismo, fase passageira ou parte desagradável de uma programação imposta que deve ser cumprida todo dia. Pensem nele como parte do treinamento espiritual a ser seriamente cumprida para reduzir os apegos às coisas transitórias, purificando e fortalecendo-os, libertando-os do ciclo de nascimentos e mortes e, consequentemente, dos sofrimentos. Pode parecer uma cura frágil para um mal tão terrível. Contudo, o Nama Sankirtana é um remédio para todos os males."

"... Mantenham o nome de Deus sempre nos lábios e descobrirão que todos os pensamentos de ódio e inveja desaparecerão de seus corações. Se vocês, pelo menos, mostrarem algum interesse genuíno por sua própria elevação, estarei pronto para ajudá-los e coroar seus esforços com o sucesso. Portanto, não desperdicem tempo inutilmente."

"Deixem que cada momento seja uma canção devocional (bhajan). Evitem conversas fúteis. Conheçam o propósito dos Bhajans e devotem-se de todo coração a cantá-los. Retirem o máximo benefício dos anos que lhes foram concedidos."

Sathya Sai Baba, no livro "O Homem Santo e o Psiquiatra"

terça-feira, 12 de maio de 2009

Desiderata

Caminha placidamente em meio ao ruído e à pressa, e pensa na paz que pode existir no silêncio.
Mantém boas relações com todas as pessoas, a qualquer preço, menos ao da tua abdicação.
Fala a tua verdade com serenidade e clareza; e escuta os outros, mesmo os enfadonhos
e os ignorantes, pois eles têm a sua história.
Evita as pessoas espalhafatosas e agressivas: elas causam vexames ao espírito.
Se te comparas com os outros, podes tornar-te vaidoso ou amargo, porque sempre encontrarás pessoas de mais e de menos importância que tu.
Deleita-te com as tuas realizações bem como com os teus planos.
Conserva-te interessado em tua própria carreira, por mais humilde que ela seja, é um real bem em meio às fortunas transitórias do tempo.
Sê cauteloso em teus negócios; porque o mundo está cheio de trapaças.
Mas não permitas que isso te faça cego às virtudes; muitas pessoas lutam em prol de altos ideais, e por toda parte a vida está plena de heroísmo.
Seja tu mesmo.
Especialmente não finjas afeições.
Nem seja cínico no amor, porque, apesar de toda a aridez e desencanto, ele é puro como a relva.
Aceita com indulgência o conselho da idade, renunciando com graça às coisas da mocidade.
Alimenta a fortaleza de espírito para que ela te sirva de escudo contra uma súbita desventura.
Não te angusties, porém, ante coisas imaginárias.
Muitos medos nascem da fadiga e da solidão.
A parte uma saudável disciplina, sê bondoso contigo mesmo.
És um filho do Universo, não menos do que as árvores e as estrelas - tens o direito de estar aqui.
E quer compreendas isso quer não, o Universo vai se expandindo como deve.
Vive portanto em paz com Deus, seja qual for a idéia que dele tenhas;
e, sejam quais forem teus labores e aspirações na ruidosa confusão da vida, procura ficar em paz com a tua alma.
Com todas as imposturas, lidas servis e sonhos desfeitos, este é ainda um belo mundo.
Sê cauteloso: esforça-te por ser feliz.
(Mensagem encontrada na velha Igreja de Saint Paul, em Baltimore, USA, datada de 1692)

Filtro solar!

Pedro Bial

Nunca deixem de usar o filtro solar
Se eu pudesse dar só uma dica sobre o futuro
seria esta: usem o filtro solar!
Os benefícios a longo prazo do uso de Filtro Solar estão provados e comprovados pela ciência,
Já o resto de meus conselhos não tem outra base confiável além de minha própria experiência errante.
Mas agora eu vou compartilhar esses conselhos com vocês...

Aproveite bem, o máximo que puder, o poder e a beleza da
juventude.
Ou, então, esquece... Você nunca vai entender mesmo o poder e a beleza da juventude
até que tenham se apagado.
Mas pode crer que daqui a vinte anos você vai evocar as suas fotos,
E perceber de um jeito que você nem desconfia hoje em dia,
Quantas, tantas alternativas se escancaravam a sua frente.
E como você realmente estava com tudo em cima,
Você não está gordo ou gorda...

Não se preocupe com o futuro.
Ou então preocupe-se, se quiser, mas saiba que
pré-ocupação é tão eficaz quanto mascar chiclete para tentar
resolver uma
equação de álgebra.
As encrencas de verdade em sua vida tendem a vir de coisas que nunca passaram pela sua cabeça preocupada,
E te pegam no ponto fraco às 4 da tarde de uma terça-feira modorrenta.

Todo dia, enfrente pelo menos uma coisa que te meta medo de verdade.

Cante.

Não seja leviano com o coração dos outros.
Não ature gente de coração leviano.
Use fio dental.

Não perca tempo com inveja.
Às vezes se está por cima,
às vezes por baixo.
A peleja é longa e, no fim,
é só você contra você mesmo.

Não esqueça os elogios que receber.
Esqueça as ofensas.
Se conseguir isso, me ensine.
Guarde as antigas cartas de amor.
Jogue fora os extratos bancários velhos.

Estique-se.

Não se sinta culpado por não saber o que fazer da vida
As pessoas mais interessantes que eu conheço não sabiam, aos
vinte e dois
o que queriam fazer da vida.
Alguns dos quarentões mais interessantes que eu conheço ainda
não sabem.

Tome bastante cálcio.
Seja cuidadoso com os joelhos.
Você vai sentir falta deles.

Talvez você case, talvez não.
Talvez tenha filhos, talvez não.
Talvez se divorcie aos quarenta, talvez dance ciranda em suas
bodas de diamante.

Faça o que fizer não se auto congratule demais, nem seja severo demais com você,
As suas escolhas tem sempre metade das chances de dar certo,
É assim para todo mundo.
Desfrute de seu corpo use-o de toda maneira que puder, mesmo!!
Não tenha medo de seu corpo ou do que as outras pessoas possam achar dele,
É o mais incrível instrumento que você jamais vai possuir.

Dance.
Mesmo que não tenha aonde além de seu próprio quarto.
Leia as instruções mesmo que não vá segui-las depois.
Não leia revistas de beleza, elas só vão fazer você se achar feio

Refrão: Brother and Sister
Together we'll make it trough
Someday a spirit will take you
And guide you there
I know you've be hurting
But I've been waiting to be there for you
And I'll be there just helping you out
Whenever I can

Dedique-se a conhecer seus pais. É impossível prever quando eles
terão ido embora, de vez.
Seja legal com seus irmãos. Eles são a melhor ponte com o seu
passado e
possivelmente quem vai sempre mesmo te apoiar no futuro.

Entenda que amigos vão e vem, mas nunca abra mão de uns
poucos e bons.
Esforce-se de verdade para diminuir as distâncias geográficas e de estilos de vida, porque quanto mais velho você ficar,
Mais você vai precisar das pessoas que você conheceu quando jovem.

More uma vez em Nova York, mas vá embora antes de endurecer.
More uma vez no Havaí, mas se mande antes de amolecer.

Viaje.

Aceite certas verdades inescapáveis:
Os preços vão subir, os políticos vão saracotear, você também vai envelhecer.
E quando isso acontecer você vai fantasiar que quando era jovem os preços eram razoáveis, os políticos eram decentes,
E as crianças respeitavam os mais velhos.
Respeite os mais velhos!!
E não espere que ninguém segure a sua barra.
Talvez você arrume uma boa aposentadoria privada.
Talvez você case com um bom partido, mas não esqueça que um dos dois de repente pode acabar.
Não mexa demais nos cabelos se não quando você chegar aos 40 vai aparentar 85.

Cuidado com os conselhos que comprar,
mas seja paciente com aqueles que os oferecem.
Conselho é uma forma de nostalgia.
Compartilhar conselhos é um jeito de pescar o passado do lixo,
esfregá-lo,
repintar as partes feias e reciclar tudo por mais do que vale.

Mas, no filtro solar, acredite.

A campanha entre a polícia e a Justiça

Enquanto o presidente-candidato e a oposição quebravam a cabeça para entender e interpretar o sobe-e-desce das últimas pesquisas, o governo e a campanha foram abalroados pela traseira com a violenta trombada da denúncia do procurador-geral da República, Antônio Fernando de Souza - um nome para se gravar na memória destes tempos de decepção - que esmiuçou o esquema do mensalão e do caixa dois e não deixou pedra sobre o pântano.

Na relação dos 40 envolvidos na maior trapaça da nossa suja crônica eleitoral, desde que o voto iniciou a caminhada vacilante das fraudes e trapaças que nos envergonham, desfilam, de braços dados, a cúpula petista, ministros, ex-ministros e assessores do presidente Lula, valérios, dudas, parlamentares, empresários, empreiteiros e demais integrantes do bloco da corrupção.

Com a carga atômica a campanha implodiu e é preciso juntar os cacos, rezar na Semana Santa e recomeçar com novo discurso e a escovadela em regra nos cuidados éticos.

Entre os destroços, coberto de poeira e o cheiro de mofo da velharia imprestável, a evidência de que o singular estilo presidencial da omissão deliberada, da fuga aos compromissos no esconderijo das desculpas de que ''nada ouviu, de nada sabe'', necessita de recauchutagem em regra, como os pneus gastos até a lona.

É aconselhável incluir na faxina a reformulação de campanha para o seu ajuste às normas da decência e do respeito à respeitabilidade do mandato presidencial, que o titular pretende duplicar. O candidato Lula não engana a ninguém, nem se engana, na comédia do faz-de-conta que ainda não é candidato, enquanto há mais de três meses não faz outra coisa senão caçar o voto, sem gastar um centavo, com tudo pago pela Viúva - que ainda garante o palanque e o auditório bem comportado para ouvir e aplaudir os improvisos de autolouvação ao ''maior presidente que este país já teve'' e que realiza ''o maior governo de todos os tempos''.

A mistificação colheu o seu resultado, mas iludiu mais do que garantiu votos. Desde as primeiras pesquisas - e especialmente nas últimas - os tímpanos de advertência disparam e só os moucos e os que tamparam os ouvidos não se alarmaram com o estridente som das campainhas. Nas simulações do primeiro turno da fase de pré-campanha, os índices percentuais de Lula pendularam entre 37,5% e 40%, com oscilações para baixo na faixa da margem de erro.

Ora, é pouco, muito pouco para o único candidato em campanha, com abundante exposição na mídia, presença obrigatória nos noticiários da manhã, da tarde, da noite e da madrugada de todas as redes de televisão e repique nos jornais e revistas. E que fala pelos cotovelos para dizer o que lhe vem à boca, sem o filtro da conveniência. Usando e abusando da máquina do poder, da estrutura do governo com a indigente desculpa da inauguração de coisa nenhuma ou do lançamento de programas fictícios.

Com tais privilégios do exercício do mandato - assegurados pela tolerância ou a falha da emenda da reeleição montada e executada pelo primeiro beneficiário, o presidente Fernando Henrique Cardoso - Lula deveria estar flutuando acima das nuvens e tormentas, pelas alturas de mais de 60%, além da maioria absoluta que garantiria a liquidação da fatura nas urnas do primeiro turno, a 1° de outubro, daqui a seis meses e meio.

Soou a hora de calçar os ásperos tamancos da humildade e reconhecer que o governo, o PT, o candidato e a campanha estacionaram a porta da Justiça e terão que cair na defensiva.

A luta mudou de ringue. E as velhas alegações de parcialidade do Conselho de Ética, das CPI dos Bingos, dos Correios, do Mensalão, das denúncias do mensalão e do caixa dois, do caseiro Francenildo Costa que levaram o primeiro ministro Antonio Palocci a pedir o boné, foram assumidas e passam para a responsabilidade da Justiça, encaminhadas pelo corregedor- geral da República, Antônio Fernando de Souza, ao Supremo Tribunal Federal (STF) desde o dia 30 de março.

Chega em boa hora para um banho de ética nos três poderes. No Executivo com salpicos de lama do maior escândalo de todos os tempos. No Congresso exposto ao desprezo do país com o samba da passista-deputada Ângela Guadagnin, no show da absolvição dos acusados de receber gordas propinas do valerioduto e, no Supremo, certamente constrangido com a calamitosa presidência do ministro Nelson Jobim e que ainda rende embaraços, como a denúncia, muito mal explicada, do recebimento de R$ 28 mil como adicionais por viagens feitas em 2005, com passagens e despesas integralmente pagas pelas empresas que o convidaram.

O ex-ministro Jobim justificou-se, apelando para a explicação que como as viagens tiveram cunho oficial, o recebimento das diárias é legal.

Essas coisas sempre têm uma boa desculpa. Mas, é melhor quando não acontecem e dispensam a prova da inocência.

# Villas-Bôas Corrêa (villasbc@uol.com.br) escreve às quartas e sextas-feiras.

Audácia, prudência, temperança

Uma sociedade é sustentável quando consegue articular a cidadania ativa com boas leis e instituições sólidas. São os cidadãos mobilizados que fundam e refundam continuamente a sociedade e a fazem funcionar dentro de padrões éticos.

O presente momento da política brasileira e a situação atual do mundo estigmatizado por várias crises nos convidam a considerar três virtudes urgentes: a audácia, a prudência e a temperança.

A audácia é exigida dos tomadores de decisões face à situação social brasileira que vista a partir das grandes maiorias é desoladora. Muito se tem feito no atual Governo, mas é pouco face à chaga histórica que extenua os pobres. Nunca se fez uma revolução na educação e na saúde, alavancas imprescindíveis para transformações estruturais. Um povo ignorante e doente jamais dará um salto para frente.

Algo semelhante ocorre com a política mundial face à escassez de água potável e ao aquecimento global do planeta. Audácia é aquela coragem de tomar decisões e pôr em prática iniciativas que respondem efetivamente aos problemas em questão. O que vemos, especialmente, no âmbito do G-8, do FMI, do BM e da OMC diante dos problemas referidos são medidas tímidas que mal protelam catástrofes anunciadas. No Brasil a busca da estabilidade macroeconômica inibe a audácia que os problemas sociais exigem. Dever-se-ia ir tão longe na audácia que um passo além seria insensatez. Só assim evitar-se-ia que as crises, nacional e mundial se transformassem em drama coletivo de grandes proporções.

A segunda virtude é a prudência. Ela equilibra a audácia. A prudência é aquela capacidade de escolher o caminho que melhor soluciona os problemas e mais pessoas favorece. Por isso a prudência é a arte de congregar mais e mais agentes e de mobilizar mais vontades coletivas para garantir um objetivo bom para o maior número possivel de cidadãos.

Como em todas as virtudes, tanto a audácia quanto a prudência podem conhecer excessos. O excesso de audácia é a insensatez. A pessoa vai tão longe que acaba se isolando dos outros ficando sozinha como um Dom Quixote. O excesso da prudência é o imobilismo. A pessoa é tão prudente que acaba morrendo de ajuizada. Engessa procedimentos ou chega tarde demais na compreensão e solução das questões.

Há uma virtude que é o meio-termo entre a audácia e a prudência: a temperança. Em condições normais significa a justa medida, o ótimo relativo, o equilíbrio entre o mais e o menos. Ela é a lógica do universo que assegura o equilíbrio entre a desordem originária do big bang (caos) e a ordem produzida pela expansão/evolução (cosmos). Mas em situações de alto caos social como é o nosso caso, a temperança assume a forma de sabedoria política. A sabedoria implica levar tão longe a audácia até aquele ponto para além do qual não se poderá ir sem provocar uma grande instabilidade. O efeito é uma solução sábia que resolve as questões das pessoas mais injustiçadas, quer dizer, traz-lhe sabor à existência (donde vem sabedoria).

Ninguém expressou melhor esse equilíbrio sutil entre audácia corajosa e prudência sábia que Dom Pedro Casaldáliga ao escrever: ''Saber esperar, sabendo ao mesmo tempo forçar as horas daquela urgência que não permite esperar''.

# Leonardo Boff é autor do livro Virtudes para um mundo possível (Editora Vozes).

domingo, 10 de maio de 2009

Vaidade, ambição e inteligência

:: Flávio Gikovate ::

Sempre me intrigou o fato de que a maior parte das pessoas mais inteligentes que tenho conhecido é portadora de uma vaidade muito maior do que a da maioria das pessoas. É claro que existem falhas nesta avaliação subjetiva, até porque não temos meios efetivos de quantificar a vaidade (e a própria avaliação da inteligência nem sempre é muito precisa). A ambição também parece guardar alguma relação com a inteligência: pessoas mais dotadas sonham com posições mais altas para si; o fazem por se sentirem competentes para disputá-las e também porque parecem precisar muito deste tipo de “alimento” para a vaidade.

Pessoas mais inteligentes e ambiciosas (as que fazem qualquer tipo de esforço - ou eventuais ações eticamente duvidosas - com o intuito de atingir seus objetivos práticos) constituem a elite, aquele grupo que se destaca da média e a quem caberia direcionar a vida em sociedade. Deveriam fazê-lo em nome dos interesses de todos. Sabemos que não agem assim e que só cuidam de seus próprios interesses. O que também precisa ficar claro é que não cuidam dos interesses dos outros membros da sua casta: pessoas bem sucedidas disputam tudo umas com as outras. Não há solidariedade alguma entre os sócios de um iate clube e todos disputam para saber quem será o proprietário do maior barco. Há mais solidariedade entre os integrantes de um bairro de periferia do que nos edifícios de luxo.

A elite não é homogênea: existem os mais ricos (empresários, profissionais liberais bem sucedidos, artistas e esportistas destacados etc.) e também os que se destacam pela atividade intelectual (professores de ciências humanas, cientistas, artistas plásticos etc.). Padecem de uma rivalidade entre si, sendo que estes últimos costumam se considerar como humanistas, mais preocupados com os destinos da maioria da população e gostam de se exibir como portadores de um saber superior. Os ricos não suportam estar em condição de inferioridade em relação a quem quer que seja; os mais voltados para o saber também não! Assim, ricos disputam entre si e com os intelectuais; os intelectuais disputam entre si e com os ricos (usam as citações bibliográficas, com a mesma virulência com que os ricos usam o dinheiro). Entre os membros da elite quase não existem amigos.

Os mais bem sucedidos vendem a imagem de que são pessoas mais felizes; não é verdade. Uma avaliação acurada mostra que são pessoas que, durante os anos da infância, compreenderam que não eram dotadas da quota de privilégios inatos que gostariam e que não se destacariam de forma automática. Graças à inteligência privilegiada, passaram a se considerar como altamente desfavorecidas, posto que queriam possuir tudo que é tido como o melhor. Alguns eram mais baixos; outros menos aptos para os esportes; outros ainda portadores de um nariz inadequado; e assim por diante. Usaram suas potencialidades e as transformaram em atividades que também geram destaque, suprindo assim as frustrações que tanto as amarguravam.

A fórmula seria mais ou menos assim: crianças (e depois adultos) frustradas em sua vaidade (já que não chamavam a atenção e se destacavam da forma como acontecia com alguns outros) e portadoras de um tipo de inteligência que não aceita com docilidade suas limitações e imperfeições, desenvolvem uma enorme frustração por não terem sido tão favorecidas pelo destino quanto gostariam. Decidem que irão se empenhar, alguns usando apenas meios lícitos e outros quaisquer meios, para reverter sua condição. A isso se chama de ambição, postura altamente estimulada por nossa cultura (pouco atenta ao caráter duvidoso de sua motivação). A ambição traz consigo competição, esforços para se destacarem que fazem com que os bem sucedidos se alegrem quando provocam algum tipo de desconforto (humilhação, inveja) nas outras pessoas.

Assim, talvez esta seja uma das vias pelas quais caminhem as piores emoções e as mais nefastas ações que presenciamos em nossa vida social. Se a vaidade estivesse envolvida apenas neste tipo de desastre, já seria uma emoção a ser melhor estudada e compreendida. Mas ainda tem muito mais...



Flávio Gikovate é médico psicoterapeuta,
pioneiro da terapia sexual no Brasil.

Retrato de Mãe

Uma Simples mulher existe que, pela imensidão de seu amor, tem um pouco de Deus;

e pela constância de sua dedicação, tem muito de anjo; que, sendo moça pensa como uma anciã e, sendo velha , age com as forças todas da juventude;

quando ignorante, melhor que qualquer sábio desvenda os segredos da vida e, quando sábia, assume a simplicidade das crianças;

pobre, sabe enriquecer-se com a felicidade dos que ama, e, rica, empobrecer-se para que seu coração não sangre ferido pelos ingratos;

forte, entretanto estremece ao choro de uma criancinha, e, fraca, entretanto se alteia com a bravura dos leões;

viva, não lhe sabemos dar valor porque à sua sombra todas as dores se apagam, e, morta tudo o que somos e tudo o que temos daríamos para vê-la de novo, e dela receber um aperto de seus braços, uma palavra de seus lábios.

Não exijam de mim que diga o nome desta mulher se não quiserem que ensope de lágrimas este álbum: porque eu a vi passar no meu caminho.

Quando crescerem seus filhos, leiam para eles esta página: eles lhes cobrirão de beijos a fronte; e dirão que um pobre viandante, em troca da suntuosa hospedagem recebida, aqui deixou para todos o retrato de sua própria Mãe.

(Tradução de Guilherme de Almeida)


Autor: Don Ramon Angel Jara - Bispo de La Serena -Chile

terça-feira, 5 de maio de 2009

A verdade está na cara, mas não se impõe

ARNALDO JABOR





O que foi que nos aconteceu? No Brasil, estamos diante de acontecimentos inexplicáveis, ou melhor, “explicáveis” demais. Toda a verdade já foi descoberta, todos os crimes provados, todas as mentiras percebidas. Tudo já aconteceu e nada acontece. Os culpados estão catalogados, fichados, e nada rola. A verdade está na cara, mas a verdade não se impõe. Isto é uma situação inédita na História brasileira.

Claro que a mentira sempre foi a base do sistema político, infiltrada no labirinto das oligarquias, claro que não esquecemos a supressão, a proibição da verdade durante a ditadura, mas nunca a verdade foi tão límpida à nossa frente e, no entanto, tão inútil, impotente, desfigurada, broxa.

Os fatos reais: com a eleição de Lula, uma quadrilha se enfiou no governo e desviou bilhões de dinheiro público para tomar o Estado e ficar no poder 20 anos. Os culpados são todos conhecidos, tudo está decifrado, os cheques assinados, as contas no estrangeiro, os tapes , as provas irrefutáveis, mas o governo psicopata de Lula nega e ignora tudo. Questionado ou flagrado, o psicopata não se responsabiliza por suas ações. Sempre se acha inocente ou vítima do mundo, do qual tem de se vingar. O outro não existe para ele e não sente nem remorso nem vergonha do que faz. Mente compulsivamente, acreditando na própria mentira, para conseguir poder. Este governo é psicopata.

Seus membros riem da verdade, viram-lhe as costas, passam-lhe a mão na bunda. A verdade se encolhe, humilhada, num canto.

E o pior é que o Lula, amparado em sua imagem de “povo”, consegue transformar a Razão em vilã, as provas contra ele em acusações “falsas”, sua condição de cúmplice e comandante em “vítima”. E a população ignorante engole tudo.

Como é possível isso? Simples: o Judiciário paralítico entoca todos os crimes na fortaleza da lentidão e da impunidade. Só daqui a dois anos serão julgados os indiciados — nos comunica o STF. Os delitos são esquecidos, empacotados, prescrevem. A Lei protege os crimes e regulamenta a própria desmoralização. Jornalistas e formadores de opinião sentem-se inúteis, pois a indignação ficou supérflua. O que dizemos não se escreve, o que escrevemos não se finca, tudo quebra diante do poder da mentira desse governo. Sei que este é um artigo óbvio, repetitivo, inútil, mas tem de ser escrito...

Está havendo uma desmoralização do pensamento. Deprimo-me: “Denunciar para quê, se indignar com quê? Fazer o quê?”. A existência dessa estirpe de mentirosos está dissolvendo a nossa língua. Este neocinismo está a desmoralizar as palavras, os raciocínios. A língua portuguesa, os textos nos jornais, nos blogs, na TV, rádio, tudo fica ridículo diante da ditadura do lulo-petismo . A cada cassado perdoado, a cada negação do óbvio, a cada testemunha, muda, aumenta a sensação de que as idéias não correspondem mais aos fatos! Pior: que os fatos não são nada — só valem as versões, as manipulações.

No último ano, tivemos um único momento de verdade, louca, operística, grotesca mas maravilhosa, quando o Roberto Jefferson abriu a cortina do país e deixou-nos ver os intestinos de nossa política.

Depois surgiram dois grandes documentos históricos: o relatório da CPI dos Correios e o parecer do procurador-geral da República. São verdades cristalinas, com sol a pino. E, no entanto, chegam a ter um sabor quase de “gafe”. Lulo-petistas clamam: “Como é que a Procuradoria Geral, nomeada pelo Lula, tem o desplante de ser tão clara! Como que o Osmar Serraglio pode ser tão explícito, e como o Delcídio Amaral não mentiu em nome do PT? Como ousaram ser honestos?”.

Sempre que a verdade eclode, reagem. Quando um juiz condena rápido, é chamado de “exibicionista”. Quando apareceu aquela grana toda no Maranhão (lembram, filhinhos?), a família Sarney reagiu ofendida com a falta de “finesse” do governo de FH, que não teve a delicadeza de avisar que a polícia estava chegando...

Mas agora é diferente. As palavras estão sendo esvaziadas de sentido. Assim como o stalinismo apagava fotos, reescrevia textos para coonestar seus crimes, o governo do Lula está criando uma língua nova, uma novi-língua empobrecedora da ciência política, uma língua esquemática, dualista, maniqueísta, nos preparando para o futuro político simplista que está se consolidando no horizonte. Toda a complexidade rica do país será transformada em uma massa de palavras de ordem, de preconceitos ideológicos movidos a dualismos e oposições, como tendem a fazer o populismo e o simplismo. Lula será eleito por uma oposição mecânica entre ricos e pobres, dividindo o país em “a favor” do povo e “contra”, recauchutando significados que não dão mais conta da circularidade do mundo atual. Teremos o “sim” e o “não”, teremos a depressão da razão de um lado e a psicopatia política de outro, teremos a volta da oposição mundo x Brasil, nacional x internacional. A esquematização dos conceitos, o empobrecimento da linguagem visa à formação de um novo ethos político no país, que favoreça o voluntarismo e legitime o governo de um Lula 2 e um Garotinho depois.

Assim como vivemos (por sorte...) há três anos sem governo algum, apenas vogando ao vento da bonança financeira mundial, só espero que a consolidação da economia brasileira resista ao cerco político-ideológico de dogmas boçais e impeça a desconstrução antidemocrática. As coisas são mais democráticas que os homens.

Alguns otimistas dizem: “Não... este maremoto de mentiras nos dará uma fome de verdades!”. Não creio. Vamos ficar viciados na mentira corrente, vamos falar por antônimos. Ficaremos mais cínicos, mais egoístas, mais burros.

O Lula reeleito será a prova de que os delitos compensaram. A mentira será verdade, e a novi-língua estará consagrada.

O Pi e o Phi

Todos nós já ouvimos falar em número PI.
É o irracional mais famoso da história, com o qual se representa a razão constante entre o perímetro de qualquer circunferência e o seu diâmetro (equivale a 3.14159265358979323 8462643383279502 884197169399375. .. e é conhecido "vulgarmente" como 3,1416 ).

Não confundir com o número Phi que corresponde a 1,618.

O número Phi (letra grega que se pronuncia "fi") apesar de não ser tão conhecido, tem um significado muito mais interessante.

Durante anos o homem procurou a beleza perfeita, a proporção ideal.

Os gregos criaram então o rectângulo de ouro. Era um rectângulo, do qual havia-se proporções... do lado maior dividido pelo lado menor e a partir dessa proporção tudo era construído.

Assim eles fizeram o Pathernon... a proporção do rectângulo que forma a face central e lateral. A profundidade dividida pelo comprimento ou altura, tudo seguia uma proporção ideal de1,618.

Os Egípcios fizeram o mesmo com as pirâmides cada pedra era 1,618 menor do que a pedra de baixo, a de baixo era 1,618 maior que a de cima, que era 1,618 maior que a da 3a fileira e assim por diante.

Bom, durante milénios, a arquitectura clássica grega prevaleceu O rectângulo de ouro era padrão, mas depois de muito tempo veio a construção gótica com formas arredondadas que não utilizavam rectângulo de ouro grego.

Mas em 1200... Leonardo Fibonacci um matemático que estudava o crescimento das populações de coelhos criou aquela que é provavelmente a mais famosa sequência matemática, a Série de Fibonacci. A partir de 2 coelhos, Fibonacci foi contando como eles aumentavam a partir da reprodução de várias gerações e chegou a uma sequência onde um número é igual a soma dos dois números anteriores: 1 1 2 3 5 8 13 21 34 55 89... (1, 1+1=2, 2+1=3, 3+2=5, 5+3=8, 8+5=13, 13+8=21, 21+13=34 e assim por diante)

Aí entra a 1ª "coincidência" ; proporção de crescimento média da série é... 1,618.

Os números variam, um pouco acima às vezes, um pouco abaixo, mas a média é 1,618, exactamente a proporção das pirâmides do Egipto e do rectângulo de ouro dos gregos.

Então, essa descoberta de Fibonacci abriu uma nova ideia de tal proporção que os cientistas começaram a estudar a natureza em termos matemáticos e começaram a descobrir coisas fantásticas.

-A proporção de abelhas fêmeas em comparação com abelhas machos numa colmeia é de 1,618;

-A proporção que aumenta o tamanho das espirais de um caracol é de 1,618;

-A proporção em que aumenta o diâmetro das espirais sementes de um girassol é de 1,618;

A proporção em que se diminuem as folhas de uma árvore a medida que subimos de altura é de 1,618;

-E não só na Terra se encontra tal proporção.

Nas galáxias as estrelas se distribuem em torno de um astro principal numa espiral obedecendo à proporção de 1,618 também por isso, o número Phi ficou conhecido como A DIVINA PROPORÇÃO.

Porque os historiadores descrevem que foi a beleza perfeita que Deus teria escolhido para fazer o mundo?

Bom, por volta 1500 com a vinda do Renascentismo à cultura clássica voltou à moda... Michelangelo e, principalmente, Leonardo da Vinci, grandes amantes da cultura pagã, colocaram esta proporção natural em suas obras.

Mas Da Vinci foi ainda mais longe; ele, como cientista, pegava cadáveres para medir a proporção do seu corpo e descobriu que nenhuma outra coisa obedece tanto a DIVINA PROPORÇÃO do que o corpo humano... obra prima de Deus.

Por exemplo:
- Meça sua altura e depois divida pela altura do seu umbigo até o chão; O resultado é 1,618.
- Meça seu braço inteiro e depois divida pelo tamanho do seu cotovelo até o dedo; O resultado é 1,618.
- Meça seus dedos, ele inteiro dividido pela dobra central até a ponta ou da dobra central até a ponta dividido pela segunda dobra. O resultado é 1,618;
-Meça sua perna inteira e divida pelo tamanho do seu joelho até o chão. O resultado é 1,618;
-A altura do seu crânio dividido pelo tamanho da sua mandíbula até o alto da cabeça. O resultado 1,618;
- Da sua cintura até a cabeça e depois só o tórax. O resultado é 1,618;

(Considere erros de medida da régua ou fita métrica que não são objectos acurados de medição).

Tudo, cada osso do corpo humano é regido pela Divina Proporção.

Seria Deus, usando seu conceito maior de beleza em sua maior criação feita a sua imagem e semelhança?

Coelhos, abelhas, caramujos, constelações, girassóis, árvores, arte e o homem;

São coisas teoricamente diferentes, todas ligadas numa proporção em comum.

Então até hoje essa é considerada a mais perfeita das proporções.

Meça seu cartão de crédito, largura / altura, seu livro, seu jornal, uma foto revelada.

(Lembre-se: considere erros de medida da régua ou fita métrica que não são objectos acurados de medição).

Encontramos ainda o número Phi nas famosas sinfonias como a 9ª de Beethoven e em outras diversas obras.

Então, isso tudo seria uma coincidência? ...ou seria o conceito de Unidade com todas as coisas sendo cada vez mais esclarecido para nós?

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Postado por Felipe Argüello no Felipe Argüello em 5/05/2009 07:41:00 PM

sábado, 2 de maio de 2009

Saudade defumada

O Cruzeiro - 3 de outubro de 1964.



Chaves, Trás-os-Montes, agôsto

AGORA vou entrar no reino do meu guia. Comecei esta viagem - que é uma romaria de amor - com Miguel Torga e é com êle que eu vou. É com êle que vou a Trás-os-Montes. Não posso me esquecer daquela noite, numa pequena rua da Tijuca no Rio de Janeiro mal sacudido por uma revolução sem sangue - e entre as paredes de uma residência transformada em centro tansmontano, a figura sombria de Miguel ao fundo da sala, a falar de um mundo seu. Tendeiros, biscateiros, marceneiros, canteiros, taberneiros, carvoeiros e outros eiros misturados a atacadistas, varejistas, sêco-molhadistas, capitalistas e outros istas de um reino emigrado. O reino maravilhoso daquela gente simples, da côr da terra, do coração grande e das mãos sempre estendidas - para o abraço ou para o murro. Não exite povo mais autêntico sôbre a face da terra que o povo de Trás-os-Montes.

OUÇO ainda o poeta a falar de sua província, a uma saudade estatelada dentro do salão. Um namorado a dizer maravilhas da namorada. A paixão - desculpou-se êle - é uma fôrça terrível, move montanhas, transpõe oceanos e obriga homens tímidos a essas violências do pudor. E lá ficou a falar de Trás-os-Montes, procurando não meter na conversa sombra de literatura. Suas palavras foram, na realidade, palavras físicas, realidades físicas, como urgueiras floridas, talefes brancos, restolhos dourados - doirados dizem êles - a fazerem, na oração, de sujeito, de verbo e de complemento.

EM vez de catadupas de som, o homem despejou cêstos de uva, sacos de castanhas, presuntos, facadas, procissões, feiras e uma encosta de Montesinho ou de Barroso a servirem de pano de fundo aos olhos de uma platéia enlevada. Em muitos olhos duros de português transmontano havia lágrimas. Talvez nos olhos de gente que não chorasse nem na morte da mãe.

AO escutar o idioma, como pedra cristalina, descendo das pedras de Torga, via-o a fazer a barba do pai, em S. Marinho de Anta, a ajudá-lo na semeadura, ou sentia-o a chorar numa fazenda de Leopoldina, em Minas, adolescente ainda, sob um saco de café, onde o que pesava mais era a saudade. Tenho a impressão de que essa palavra foi inventada aqui em Trás-os-Montes.

NOS poucos minutos daquela prosa, o telúrico levou seus irmãos pelo caminho que vai à padroeira de cada freguesia, misturou o seu barro humano como de sua gente, fazendo com que saísse da união a imagem verdadeira, ampla e significativa dum berço que é todo simplicidade. Falou sem preocupação de gramática nem de estilo, porque, ao primeiro sinal de retórica, aquêle berço deixaria de embalar.

DE olhos enxutos um povo esmagado de lembranças, Torga estendeu no soalho da sala o mapa invisível de Trás-os-Montes, e cada um se sentiu com os pés enterrados no húmus de sua aldeia. Os da Régua se sentiram na Régua. Os de Vinhais, em Vinhais. Os de Mirandela, em Mirandela. Os de Carrazeda, em Carrazeda. O que êle não imaginou é que eu, um brasileiro de Jaú, estivesse em Vila Real, a beber do vinho honesto do Padre Henrique, a almoçar na Quinta do Narciso, a comer em Rebordelo os salpicões da mãe do meu companheiro Luiz dos Santos; a dormir, sôbre aquêle chão dos netos do meu sangue, debaixo de uma ramada, como alguém que volta a uma pátria escolhida. A sua pátria intelectual.

ENTREI no regimento transmontano de Torga, formando a guarnição do pequeno mundo que viu nascer a todos aquêles bons homens que estavam numa sala explosiva de saudade. Desde então passei a mourejar com todos os glóbulos sarracenos prestes a incendiarem como os xistos de lá. A saudade de um trnsmontano é saudade defumada, que conserva a gostosura da carne, a doçura do clima e a amargura da terra. O homem fêz descer a todos, fêz voltar a todos, fêz chorar a todos, fêz chorar até a mim que não tenho nada com isso.

VAI-ME a baixar da Terra-Fria aonde nunca tinha ido, para a Ribeira à frente da roga, de harmônio ao peito como um fadista. Depois fui contrabandear na raia, senti-me a desconjuntar lusitanamente os verbos, a ceifar na lomba, a saibra, a redrar, conforme a hora, conforme o tempo. Aportuguesei-me. Amiguei-me com Portugal. De cama, de mesa e de graça.

- QUE diabo de língua falas tu? - perguntou-me, em tom naturalmente altivo, um pastor que descia a Chaves.
E ao ouvir o mestre no centro transmontano, recordei-me de Rubem Braga, a dizer a Rachel de Queiroz que a língua portuguêsa emigrou para o Brasil quando estava no apogeu - e em Portugal ficou apenas um dialeto falado por um grupo reduzido. Até Camões é mais Camões recitado por um brasileiro. Camões em ritmo português é Camões de pé-quebrado, diz a presunção brasileira. Mas não é possível descrever a Portugal e muito menos ao melhor que Portugal que está atrás dos montes, onde se grita ao lá de fora: - Entre quem é! - Não se pode pintar a êsse quadro com as nossas tintas. São fortes demais na luz. São fracas demais na côr.

NAQUELA noite, em que, pela primeira vez, me levaram pela palavra para além do Marão, a sala teve sol e neve. Como um hipnotizador, o gênio transmontano, carrancudo e generoso traçou para cada um o rosto da amada perdida. Fê-los subir, a todos, o outeiro da memória. Acendeu na alma de cada um o fogo dos arraiais distantes. E todos, agachados, ficamos a ouvi-lo, como a um pajé misterioso que estivesse a cortar fatias de lembranças. Não, não era uma descrição, era uma comunhão, onde eu, como um maometano que não sou entre cristãos que não eram, vinha juntar-me. Quem era de Vila Flor passou mentalmente a apanhar azeitona na sala. Do Romeu, a descascar sobreiros. De Favaios, a cozer trigo. Do Vimioso, a escavacar pedreiras. Mas, eu?
- De onde é o amigo?
- Do Jaú.
- Pois entre no grupo. Entre como se fôsse de Freixo. Entre na roda e coma amêndoas. Queria ficar de fora, o grande marôto!
-E nós, santinho? Somos de Pinhãocelo.
-De Pinhãocelo? Vamos, aparelhe os machos e ferre-lhes com a carga em cima. Depressa! Pena não haver ninguém de Pocinho. Há? Ó criatura de Deus, salte para dentro do rabelo e agarre-se à espadela. Mas cuidado! O cachão da Valeira é traiçoeiro. Apegue-se a S. Salvador do Mundo.

E ASSIM, dentro daquela sala em cuja ampliação agora estou, Torga, naquela noite, teve seu reino animado. Os rios com barcos e barqueiros, as serras com rebanhos e zagais, os lameiros com charruas e labradores. Todos olhavam orgulhosamente, transmontanamente, para êsse reino viril de homens viris. Nenhum outro reino mais belo, mais castiço e mais aberto. Entre quem é! Nenhum outro reino tão capazmente servido pelo seus filhos nem tão devassado, tão escancarado para os que chegam de alma aberta. Entre quem é! A beleza de lá não tem maneirismo, nem o catecismo de lá é arcaico, nem a fundura dos horizontes de lá significa perdição no vago, nem os sentimentos dos habitantes são mesquinharias. De Trás-os-Montes, perdoem-me os outros, Portugal exporta o melhor.

DE Sabrosa ao Pinhão, do Tua a Bragança, da Régua a Chaves, de Freixo a Barca de Alva ou em Boticas, é o que se vê: sempre o mesmo lençol de fragas e a mesma gente a nascer nêle. A fisionomia dos relevos, a máscara enrugada das penedias, a estimulante largura dos descampados corrempondem no humano a uma fisionomia igual, recortada em granito, máscula, austera, e, ao mesmo tempo, viva e generosa. Ouço ainda a se dizer naquela sala, dentro da qual coube um pequena leira lusíada, que o destino quis que houvesse no tôpo uma costeira, onde tudo tivesse caráter e dignidade. Onde a vista pudesse desfrutar dali perspectivas originais, onde a enxada pudesse mostrar na dureza dos torrões a dureza do aço, onde o fole do peito se enchesse por inteiro a cada respiração, onde todos os sêres ali nascidos ou ali vividos estivessem à altura.

PORTUGAL encontrou em Trás-os-Montes o seu telhado, a lousa que lhe resguarda as virtudes, a saúde física e moral, a tenacidade mourejadora (sempre os mouros do meu sangue), a pureza dos costumes e a expressão mais nobre e acabada das feições interiores, a mais severa e desassombrada parcela da pátria, a mais estremada expressão do seu povo. A capa de honras daquele mirandês que ali aparece não é um trajo de festa, mas o paramento dum sacerdote laico da dignidade. A louça negra que nos vende êste oleiro de Bisalhães não é, como parece, apenas barro amassado e cozido, mas o lado noturno da fome na sua expressão estóica, porque existe um Portugal pobre, que luta e sofre, a catar os seus próprios meios, a viver com os seus próprios recursos, mas um Portugal que não pede esmolas nunca.

VAI puxando lá embaixo o rabelo à sirga, um môço vai picando a junta de bois ou abrindo a valeira na teimosa persistência. A admiração alheia é apenas um estímulo para prosseguir. O transmontano sente a perfeição interior. Sem favor algum, é perfeito desde a meneira de estender uma tigela de caldo a um pobre, à larguesa de abraçar um amigo - ou em concretas obras-primas de sabor, de graça, de habilidade e de figura. E até de grossura, diria eu, ao colhêr dessa epopéia escrita a enxadão tôda uma filosofia condensada num provérbio de sabedoria velha. Quem tripas comeu e com viúva casou, sempre há de se lembrar do que por lá andou. Por lá andei, com viúva não casei, por isto trago apenas, de Trás-os-Montes, um gôsto de saudade defumada, neste fim de viagem.

David Nasser

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